A BURRICE SUICIDA A
SERVIÇO DA ELITE CORRUPTA
Alan Oliveira Machado*
Fiquei sabendo que semana
passada, em Uibaí, um rapaz tomou uma facada devido a uma discussão sobre a
desonestidade ou não de Lula. Não sei quem defendia ou quem ofendia a honra do
líder petista, nem se quem esfaqueou era defensor ou detrator do político em
questão, mas o nível da discussão, culminada com a materialização do desejo de
eliminar o outro é um sintoma gritante dos últimos tempos. É um sintoma da
burrice que tomou conta do País. Que eu saiba nenhum dos contendores era
empresário defendendo seus interesses, nenhum deles era político de alta cúpula
atuando para se manter no poder; mesmo se fossem, que direito um teria de
eliminar literalmente o outro?
Mas essa impossibilidade
do debate, de aceitar opiniões contrárias, de tolerar divergências virou a
regra do jogo nos últimos anos no Brasil. Não se discutem mais projetos, ideias
e caminhos que melhor atenderiam à coletividade, à vida comum, ao
desenvolvimento do País, do município, da educação, da saúde etc. A discussão,
na fina membrana emocional da superfície coletiva, dá a entender que só existe
uma verdade, a do senhor, e se não houver acordo sobre ela, aqueles que
discordam devem ser eliminados. Ou seja, cresce no Brasil o ethos fascista, que
conjuga a intolerância à divergência com a necessidade de eliminação do
opositor. E, no fundo, a agressividade desse tipo de ímpeto reacionário é
vazia, não corresponde materialmente à realidade cotidiana da maioria daqueles
que se atiram vorazmente no combate político, digo, no falso combate político
que se alastra pelas terras tupiniquins.
A arena política
brasileira tornou-se um vale tudo acirrado, voltado para interesses de uns
poucos ricos que insuflam e se beneficiam do debate selvagem e sem princípios,
para esconder suas falcatruas, proteger seus aliados corruptos e se perpetuar
no poder. Os dois sujeitos de origem humilde que se agrediam na defesa de um
desses ricões são a pobre massa de manobra, peões do xadrez que têm de entregar
cegamente suas vidas por aqueles que perpetuam no Brasil a própria desgraça
desses pobres diabos. Eles me lembram os “Imaculados”, soldados castrados de Games of Thrones, morrendo
estupidamente por aqueles que eles têm por seus donos. Não há coisa mais
melancólica. Os Imaculados são castrados, há sinal mais violento de que serão
escravos para sempre, de que serão inférteis, incapazes de construir um futuro
no qual entrem como protagonistas? Não, o falo estará sempre com os seus
senhores e com estes a colheita do futuro.
Uma facada em quem
diverge de mim é um tijolo a mais no alicerce do totalitarismo. É um sinal de
que já não me vejo espelhado no meu semelhante e se isso não ocorre, não me
vejo também destruir a mim mesmo como ser gregário, de civilidade quando atento
contra a vida do outro em função de uma opinião. Pior, de uma opinião que
protege os senhores e mantem os escravos eternamente como escravos. De uma
opinião que me perpetuará como serviçal de interesses de uma pequena elite
cínica e debochada. Toda essa história me lembra, como metáfora ilustrativa, as
rinhas de galo que existiam em Uibaí na década de 1980. Ali donos de galos de
raça, uma pequena elite, se divertiam ao ver os galos se ensanguentarem na
arena até que um corresse impingindo vergonha no dono ou morresse com uma
espora de ferro enfiada no crânio. Não é a isso que estão condenando a
participação política? Em Uibaí (e no
Brasil), pelo jeito, a lógica da rinha de galo é o que tem vigorado, uns poucos
levam suas vidas de privilégios numa boa enquanto botam uma maioria cega para
se matar a seu serviço.
*Alan
Oliveira Machado é professor do Curso de Letras da Universidade Estadual de Goiás. Poeta, contista e cronista. Autor de
PRA DIZER QUE FOI ASSIM (Ibicaraí: Via Litterarum, 2015).
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