quinta-feira, agosto 31, 2006

CONVENIÊNCIA IDEOLÓGICA

A maneira como o governo federal vem administrando certos problemas de ordem internacional tem gerado bastante preocupação. O problema básico está no fato de o governo Lula colocar interesses ideológicos acima da soberania nacional. Não é difícil perceber que atualmente há um alinhamento ideológico entre os governos do Brasil, da Venezuela, de Cuba e da Bolívia. Não há problema algum em governos executarem manobras estratégicas para fortalecer seus parceiros políticos. Porém, isso se torna preocupante quando, em nome dessas estratégias, esses parceiros tomam decisões que lesam seus países ou ferem automaticamente a soberania dos demais.
O caso da nacionalização das reservas de gás efetuada por Evo Morales é o mais atual exemplo de violação de acordos diplomáticos que deveriam ser respeitados. Afinal, quando o governo boliviano baixou o decreto de estatização das propriedades da Petrobrás em seu país, ele não estava lidando simplesmente com uma empresa multinacional, mas sim com uma empresa estatal brasileira que, para efetuar qualquer contrato internacional com a natureza do que foi efetivado na Bolívia, do porte de $1.500.000.000 (um bilhão e quinhentos milhões de dólares), teve de executar intensa negociação diplomática e cumprir regras internacionais de comércio.
Longe de nós achar que qualquer nação não tenha direito de proteger aquilo que considera patrimônio estratégico de seu povo. Há um porém, entretanto: se o contrato foi feito seguindo corretamente as regras de comércio internacional, na época com consentimento de ambos os governos, o mínimo que um chefe de estado ideologicamente contrário à sua existência deveria fazer era convocar o parceiro comercial para rever as regras e propor uma saída honesta. Mas não, no melhor estilo do populismo golpista, Morales rasgou as regras da OMC e golpeou a soberania brasileira.
Contudo, o grosseiro da situação não foi só o arremedo de ação chavista/castrista de Morales, o absurdo de tudo foi a reação do governo brasileiro e aqui entra o lado prejudicial da conveniência ideológica. Nosso governo agiu com naturalidade, como se o dinheiro da Petrobrás, o patrimônio do povo brasileiro, portanto, significasse menos para nós do que o gás para os bolivianos. Ora, se é direito e dever do chefe boliviano defender os bens de sua nação, como nos fez crer Lula, não seria também direito e dever de Lula defender os nossos bens? Os bolivianos têm mais razão do que os brasileiros? Que ideologia é essa para a qual um caloteiro vale mais do que um cidadão honesto? Que ideologia é essa em que o bandido vira mocinho e o mocinho tem de ficar calado sob pena de virar bandido? HÁ BRAÇOS! Julho de 2006

terça-feira, agosto 29, 2006

FLORESTA SEMIÓTICA


Tudo é uma questão de desejo. Vivemos em uma floresta semiótica e o nosso desejo, sobre o qual quase sempre não temos domínio, constrói e edita as semioses necessárias para compor os nossos sonhos, independente de seus duplos negativos, de modo a nos manter aptos a continuar acreditando que vale a pena a existência. Aqui, temos de esclarecer dois termos: Semiótica e Semioses.
A Semiótica é a teoria geral dos signos, aliás, esse nome vem do grego semeion que quer dizer signo. Mas qual a importância de uma teoria geral dos signos? O que justifica uma teoria geral dos signos é o fato de o ser humano viver em um mundo eminentemente simbólico, ou seja, em um mundo composto por elementos aos quais ele deu sentido. É da natureza do homem atribuir significados a tudo que o rodeia. Isso se dá talvez porque sua fragilidade animal o fez apurar os sentidos para se proteger das incertezas ou ameaças do mundo. Assim, o homem desenvolveu as linguagens mais complexas do reino animal e edificou o mundo como linguagem.
A Semiótica investiga tudo que tenha significado, o processo pelo qual se chega ao significado. Ela começa com o elemento mínimo de significação que é o signo e há vários conceitos de signo. Os mais utilizados são: signo é alguma coisa que significa algo para alguém; signo é algo que está no lugar de outra coisa; signo é a união de um significante com um significado.
O primeiro conceito, de extração pierciana[1], nos remete ao caráter individual do processo de criação de significados: se alguém atribuir algum valor específico a qualquer objeto do mundo, esse objeto passará a ser um signo particular, ou seja, o objeto remeterá esse alguém ao valor específico e o valor específico o remeterá ao objeto. Uma vez socializada essa relação entre o objeto e o valor específico, tal signo passará a fazer parte da língua.Se o primeiro conceito de signo se centra na relação entre um alguém e um objeto do mundo, o segundo conceito[2], por sua vez, enfoca a relação entre o objeto do mundo e o valor atribuído a ele. Quando se diz que um signo é algo que está no lugar de outra coisa, na verdade se está dizendo que é impossível comunicar coisas de natureza distinta da linguagem senão mediante uma operação abstrata na qual um elemento lingüístico ocupará o lugar do objeto não lingüístico. Se, por exemplo, alguém diz: cadê o lápis? Certamente, o nome e o valor lápis estão no lugar do objeto lápis que é de outra natureza.
O terceiro conceito, de extração saussuriana[3], concentra-se no aspecto estrutural do signo, ou seja, o signo, no plano da linguagem, é composto por um significante, ou melhor, por um nome ligado a um significado e significado aqui é o mesmo que um conceito, uma idéia, um valor. Essa junção de natureza arbitrária, já que é afetada por semioses, impõe-se como elemento primário na formação de qualquer processo significativo.
O processo de comunicação e de compreensão ganha rarefação ou densidade a depender do nível das semioses. A semiose, segundo Pierce, é o processo dinâmico, gerador da interpretação, desencadeado pelo signo na mente do receptor. Nesse processo, o signo tem um efeito cognitivo sobre o interprete. Esse efeito cognitivo, que muitas vezes começa numa relação direta com um objeto e se estende até a abstração completa, é que gera a ilusão de compreensão.
Dadas as devidas explicações, voltemos a nossa questão central, qual seja, a de que vivemos em uma floresta semiótica e que o nosso desejo constrói e edita semioses de modo a nos manter presos à existência. Sim, o que há em torno de nós que não está sob o crivo do nosso julgamento, da nossa interpretação? Nada! Porque tudo a que dirigimos os nossos sentidos acaba entrando num processo semiótico ilimitado, infinito como o desejo. A todo o momento, então, estamos derrubando ou plantando árvores, colhendo significados em outras árvores que se emaranham e se entrelaçam na densidade da floresta simbólica. Colhemos apenas signos e construímos significados que vão compor a nossa acolhedora gleba, que vão nos territorializar com certa segurança. Isso não implica que a todo o momento os frutos sígnicos de outras árvores não nos tentem, não nos provoquem, não sejam atirados em nossa cara por outros habitantes da floresta, causando-nos terrível mal-estar. É possível também que abocanhemos frutos que nos tirarão o solo arremessando-nos ao desencanto e ao desespero ou configurando a realidade simbólica de forma agradável.
O desejo parece uma espécie de guia independente que nos conduz nessa floresta semiótica. A partir dele, como vontade afirmativa, reunimos elementos emotivos, culturais, condicionamentos psicológicos e situacionais que vão alimentar o fluxo de semioses. Esses elementos dão o tom das particularidades do ato interpretativo, formatam os interpretantes, e as particularidades geram expressividade variada, polissemia e paráfrase, além de equívocos e falhas de entendimento, entre outros pontos de deriva. Isso nos faz pensar que não há como separar desejo de linguagem. A impossibilidade de fazer essa secção nos leva a crer que toda produção de sentido, portanto, será aberta.
Se toda intervenção semiótica, melhor dizendo, se toda produção de sentidos é aberta, seu fechamento só pode ocorrer no plano do imaginário. Sob a égide do imaginário, transitamos pela floresta semiótica. Ele é o instrumento do desejo que, contraditoriamente, nos ajuda a compor a ilusão de ordem, de completude e de certeza[4]. Essa ilusão determina nossas atitudes, nossos encantos e desencantos. Compomos o mundo então como uma imensa tela linear e nos recusamos, ou resistimos ou evitamos vê-lo estilhaçado o tempo todo pelas contingências e pelo caos que constituem a realidade.
Cá para nós, meus amigos, a quem dediquei este tortuoso e precário texto, em que beco sem saída estamos metidos! Mas, animemos, pois o mérito de um texto não está tanto nas informações que ele transmite, quanto nas estimulações que ele cria.Há braços! alan oliveira machado, 2005.
[1] PIERCE, C. Collected papers. USA: Harvard University Press, 1931-58.
[2] Idem
[3] SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
[4] Pelo menos na visão lacaniana , é da natureza do imaginário o recorte, o fragmento, a variação.