quinta-feira, junho 16, 2016

MESMO SEM SABER, OS EXTREMOS ANDAM COM O MAL NO BOLSO
                                     Alan Oliveira Machado

Eu sou meio desconfiado de gente que elege extremos como lugares de permanência e de partida para a ação. Os extremos são bordas e a história não nos cansa de ensinar que quase sempre as bordas são bordas de uma ordem civilizada além das quais existe algo que pode muito bem saltar para dentro dessa ordem e corroê-la como um câncer maldito até só restar a barbárie. Nesse sentido, não existem extremos diferentes: todo extremo convive, pela proximidade com a borda da ordem, com esse algo perigoso, resto, rebotalho caído do processo civilizatório, que, como sombra, ameaça a civilização. Os extremos também podem servir de suporte para esse algo nocivo e quando assim o fazem, abrem o trilho da devastação dos valores que garantem o contrato mínimo de civilidade.
Quando o extremismo logra êxito na condição de suporte do perigo? Ora, suponho que seja quando as redes simbólicas que amarram e garantem os sentidos de civilidade se afrouxam ou sofrem perdas de pilares de referência e de sentido que suportam, equacionam e até mesmo disciplinam os desejos humanos. Isso pode ser notado agora mesmo no Brasil, momento em que os espaços de poder mais importantes e as figuras que os representam estão quase que completamente desmoralizados. A persistência da desmoralização associada à crise econômica e à insolúvel permanência da pobreza e da degradação educacional faz os extremos se levantarem como caminho ético, trazendo no bolso o mal que atravessou as bordas da ordem.
A aparição e o crescimento do bolsonarismo é um exemplo do extremo passeando pelos indícios de ruina da ordem, levando no bolso o rejeito da civilização com seu poder destrutivo. Certos absurdos que saltam da boca de Bolsonaro, como a recente apologia ao coronel torturador Brilhante Ustra, são restos de coisas ruins que comumente ficam de fora de qualquer ordem civilizada. E o que dizer de políticos que insistem no contraponto tête-à-tête com Bolsonaro senão que estão localizados também em extremos e que, portanto, de certa forma, atuam como um duplo da mesma coisa, igualmente visitados pelos rejeitos do fora da ordem e infelizmente também seus possíveis portadores?
Mas, ao contrário de muitos que localizam o perigo apenas na pessoa ou em grupos isolados, gostaria de reforçar que o perigo está no que eles portam, no que os visita e os toma pela voz e pela ação. E o que os visita, o que eles portam é o resto, o rebotalho que não cabe numa ordem civilizada e do qual temos agora uma pequena mostra posta à vista como saída para o descalabro político, econômico e social em que nos encontramos. O que é lastimável. E por que gente como Bolsonaro cresce neste momento? Certamente porque todos nós civilizados carregamos esses rebotalhos e na falha da ordem, das referências, muitos, desreferencializados, sem acuidade e capacidade de discernimento, se veem tentados, hipnotizados pela coisa estranha que não pode entrar na civilização, como se fosse civilização.  Não custa muito imaginar que grande parte desses está deslumbrada, cheia de intenções humanitárias, bem como o doutor Joseph Ignace Guillotin se sentiu em relação à guilhotina, que mais à frente decepou a cabeça de milhares de inocentes.



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