MESMO SEM SABER, OS EXTREMOS
ANDAM COM O MAL NO BOLSO
Alan
Oliveira Machado
Eu sou meio desconfiado de
gente que elege extremos como lugares de permanência e de partida para a ação.
Os extremos são bordas e a história não nos cansa de ensinar que quase sempre
as bordas são bordas de uma ordem civilizada além das quais existe algo que
pode muito bem saltar para dentro dessa ordem e corroê-la como um câncer
maldito até só restar a barbárie. Nesse sentido, não existem extremos
diferentes: todo extremo convive, pela proximidade com a borda da ordem, com
esse algo perigoso, resto, rebotalho caído do processo civilizatório, que, como
sombra, ameaça a civilização. Os extremos também podem servir de suporte para
esse algo nocivo e quando assim o fazem, abrem o trilho da devastação dos
valores que garantem o contrato mínimo de civilidade.
Quando o extremismo logra
êxito na condição de suporte do perigo? Ora, suponho que seja quando as redes
simbólicas que amarram e garantem os sentidos de civilidade se afrouxam ou
sofrem perdas de pilares de referência e de sentido que suportam, equacionam e
até mesmo disciplinam os desejos humanos. Isso pode ser notado agora mesmo no
Brasil, momento em que os espaços de poder mais importantes e as figuras que os
representam estão quase que completamente desmoralizados. A persistência da desmoralização
associada à crise econômica e à insolúvel permanência da pobreza e da
degradação educacional faz os extremos se levantarem como caminho ético,
trazendo no bolso o mal que atravessou as bordas da ordem.
A aparição e o crescimento do
bolsonarismo é um exemplo do extremo passeando pelos indícios de ruina da
ordem, levando no bolso o rejeito da civilização com seu poder destrutivo.
Certos absurdos que saltam da boca de Bolsonaro, como a recente apologia ao
coronel torturador Brilhante Ustra, são restos de coisas ruins que comumente
ficam de fora de qualquer ordem civilizada. E o que dizer de políticos que
insistem no contraponto tête-à-tête
com Bolsonaro senão que estão localizados também em extremos e que, portanto,
de certa forma, atuam como um duplo da mesma coisa, igualmente visitados pelos
rejeitos do fora da ordem e infelizmente também seus possíveis portadores?
Mas, ao contrário de muitos
que localizam o perigo apenas na pessoa ou em grupos isolados, gostaria de
reforçar que o perigo está no que eles portam, no que os visita e os toma pela
voz e pela ação. E o que os visita, o que eles portam é o resto, o rebotalho
que não cabe numa ordem civilizada e do qual temos agora uma pequena mostra
posta à vista como saída para o descalabro político, econômico e social em que
nos encontramos. O que é lastimável. E por que gente como Bolsonaro cresce
neste momento? Certamente porque todos nós civilizados carregamos esses
rebotalhos e na falha da ordem, das referências, muitos, desreferencializados,
sem acuidade e capacidade de discernimento, se veem tentados, hipnotizados pela
coisa estranha que não pode entrar na civilização, como se fosse
civilização. Não custa muito imaginar
que grande parte desses está deslumbrada, cheia de intenções humanitárias, bem
como o doutor Joseph Ignace Guillotin se sentiu em relação à guilhotina, que
mais à frente decepou a cabeça de milhares de inocentes.
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