segunda-feira, julho 08, 2013

O MAL-ESTAR VAI ÀS RUAS

Alan Oliveira Machado*

Em 1992, depois de uma série de escândalos de corrupção, pressionado pela oposição, por sindicatos e movimentos ligados à esquerda, o então presidente Collor de Mello foi à televisão pedir ao povo para que saísse de verde e amarelo no dia seguinte em apoio ao seu governo. O que se viu como resposta foi a eclosão, em todo o país, à revelia do que pedia o presidente, de manifestações populares nas quais as pessoas se vestiam de preto, numa espécie de luto por tudo o que vinha acontecendo na política brasileira. O discurso do presidente em cadeia nacional foi a faísca que faltava para fazer explodir uma onda de mal-estar, num primeiro momento impulsivo e sem controle, que mais a frente encontrou acolhida nas representações de partidos políticos, sindicatos, centrais sindicais, entidades estudantis e do movimento social. O que antes era apenas espontaneísmo se institucionalizou por meio dessas representações, minou e sufocou as bases do governo a ponto de materializar o impeachment do presidente.
Depois desse processo, o país começou a encontrar o caminho da reestruturação e da estabilidade econômica com os dois governos de FHC, gestados dentro das equipes incorporadas ao resto do mandato de Collor assumido pelo vice-presidente Itamar Franco. O que nos parece óbvio nessa trilha que vai da queda de Collor até o atual momento é que até o último mandato do PSDB, o Brasil contava com partidos de esquerda, sindicatos e representantes de movimentos sociais e estudantis que funcionavam bem ou mal como forças políticas de pressão e fiscalização do poder instituído, inibindo os excessos do governo em articulações políticas e nas alianças que promoviam certa licenciosidade no trato da coisa pública, degeneradas em corrupção. Os excessos ensaiados eram prontamente denunciados por esses movimentos e a luta dentro do poder ganhava seus tons e alternâncias.
Com uma conjuntura econômica mundial favorável e com investimentos consideráveis na expansão de programas sociais, o clima de bonança econômica veio à tona de vez nos mandatos de Lula, mas algo de estranho acompanhou esse momento. Desde o primeiro mandato do PT, tudo que representava pressão social e fiscalização do poder nos mandatos anteriores desapareceu. O petismo incorporou esses segmentos ao seu governo e o sentimento de revolta do cidadão comum com a corrupção e os desmandos perdeu seus espaços de acolhida na institucionalidade política. Sem quem os fiscalizasse ou pressionasse, os esquemas do poder ultrapassaram os limites e o que se viu foi um processo de escancaramento e tentativa de naturalização da licenciosidade dos políticos no trato da coisa pública.
A partir daquele momento, os escândalos não eram mais motivo de intensas movimentações e protestos revoltados de entidades como CUT, UNE etc. Quando não estavam completamente silenciosas, como no atual momento, essas organizações estavam protestando em defesa de causas estranhas ao povo. Quem não se lembra da manifestação de dezembro de 2008, na frente do Congresso Nacional, promovida pela CUT, pela Força Sindical e demais aliados, no dia em que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados estava votando a cassação do deputado Paulo Pereira (PDT), o tal Paulinho da Força? Qual a finalidade daquela manifestação? Pressionar o Congresso por um aumento de salário para o trabalhador brasileiro? Pedir redução de impostos ou redução de juros etc, coisas que afetam a vida de todos os trabalhadores brasileiros? NÃO! A manifestação das centrais era para pressionar os deputados a votarem contra a cassação do tal Paulinho da Força, pego no esquema de propinas ligadas ao BNDES. E a pressão das centrais sindicais valeu a pena? CLARO! Paulo Pereira não foi cassado e comemorou com muita cerveja ao lado dos amigos e aliados políticos.
Até a eclosão das atuais manifestações, o povo brasileiro dividia-se entre o mal-estar com os escândalos de corrupção e a euforia de consumo produzida pela estabilidade econômica. A volta da inflação, no entanto, transformou a euforia em dívidas e angústia restando apenas o mal-estar que encontrou como estopim e faísca o aumento das passagens de ônibus. As manifestações seguem errantes pelo país e são palco de toda sorte de reivindicações. Tudo quanto é excesso político que ficou entalado na última década transforma-se em lemas de cartazes e faixas e em ataques a espaços que simbolizam de certo modo esses excessos: prefeituras, sedes de governos, casas legislativas e bancos. Grupos de esquerda tentam desesperadamente se encaixar como campo de acolhimento e condução do sentimento que toma as ruas, mas enfrentam óbvia rejeição.
O fato é que a partir dos anos de 1980 foi o PT quem se consolidou no imaginário popular como aquele campo da política que fiscalizava o poder exigindo ética e respeito ao patrimônio público, mas sua chegada ao comando político do país e o modo como administra o poder não se diferenciou do dos gestores a que fazia feroz oposição, alguns deles, como Sarney, Collor e Maluf, são hoje aliados inestimáveis. Em função disso provavelmente o sentimento da multidão repele tais representações. Se no movimento cara pintada de 1992 o mal-estar recalcado que foi às ruas encontrou nas representações institucionais de esquerda a guarida fundamental para a sua conversão em ação política, unificada na pauta do impeachment, agora o mal-estar que persiste nas ruas, em plena Copa das Confederações, campeia solto em busca de algo novo, de representações sem identificação com as oferecidas pela arena política atual. Tomara que o mal-estar das ruas propicie o surgimento de um novo modo de fazer política antes que degenere em repetição ou algo pior.

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