BOBAGENS LOGICISTAS

O que o ilustre professor Cipro faz
é usar um raciocínio bobo para julgar certos usos linguísticos como bobagem. Na
verdade, não há nada de bobagem em usar tais expressões. A língua está cheia
delas. Se formos dar crédito para a lógica rasa do professor, teremos que
deixar de usar uma série de catacreses e formas linguísticas cristalizadas no
português brasileiro porque elas não têm o sentido que se poderia depreender de
sua observação literal. Teríamos que abandonar, por exemplo, o uso da expressão
“via de regra” uma vez que literalmente quer dizer “canal por onde passa a
menstruação”. Bobagem! Bobagem! Bobagem!
Na mesma toada
logicista já havia presenciado, num seminário de comunicação, o jornalista
Alexandre Garcia, da Rede Globo, falar com certo orgulho, como se tivesse feito
uma descoberta maravilhosa, que não se deve falar “correr risco de vida” e sim
“correr risco de morte”. Que eu saiba,
não há como colocar a morte em risco. Por outro lado, não posso falar a mesma
coisa da vida, pois são incontáveis os vacilos que podem colocá-la em risco.
Não fica difícil então concluir que é a vida que se pode por em risco, não a
morte. Mas naquele seminário, o jornalista expressava-se com uma ênfase tal que
parecia querer passar sermão na plateia incauta, certamente usuária de mais
esse “abuso de linguagem”.
Saí do auditório em que o loquaz
jornalista pregava e fui consultar o povo que transitava pelo pátio da
universidade para saber o significado de “correr risco de vida”. Não foi
surpresa constatar, depois de perguntar a várias pessoas, que “correr risco de perder a vida” tenha sido a resposta
predominante. Pelo menos uma coisa pode-se postular a partir da resposta mais
escolhida pelos transeuntes: “correr risco de vida” é nada mais que “correr
risco de perder a vida” depois de sofrer o processo de elisão do sintagma verbal
“perder a”. O lamentável mesmo é constatar que essa tolice propagada pelo
jornalista global ganhou crédito de muita gente de jornal e televisão. O que
tem de gente correndo risco de perder a morte por aí, ou expondo a morte em
risco não se conta.
O que eu sei mesmo é que, via de
regra, temos que dar um chega pra lá nesse tipo de argumento que gruda numa
lógica claudicante e se esquece de enxergar a língua vivinha passeando pela
boca do povo. Prof. Alan Oliveira Machado
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