sábado, dezembro 15, 2012


BOBAGENS LOGICISTAS
                        
            Outro dia li um artigo do simpático professor Pasquale Cipro, na Folha de São Paulo, no qual ele tratava de algumas expressões a que chamava de bobagens. Dizia Pasquale que “correr atrás do prejuízo”, forma cristalizada na fala cotidiana do brasileiro, é uma bobagem porque ninguém corre atrás de prejuízo, mas sim de lucro. O professor apega-se a um princípio lógico básico para se posicionar contra tal uso popular, qual seja: julgar os elementos do plano da expressão pelo sentido referencial que eles adquirem dentro do estrito campo de combinação do enunciado. Mas vejamos: se é tão óbvio que ninguém corre atrás do prejuízo, não daria para o professor Pasquale, usando a mesma lógica, concluir que a expressão “correr atrás do prejuízo” veicula outro sentido, pelo que se pode observar, próximo ao contrário do significado literal de “correr atrás do prejuízo”? Pelo que pude constatar, numa rápida pesquisa, “correr atrás do prejuízo” parece significar, para os usuários de tal expressão, algo como “se apressar em resolver problemas pendentes de modo a evitar um prejuízo ou para amenizar os efeitos de um prejuízo”.
            O que o ilustre professor Cipro faz é usar um raciocínio bobo para julgar certos usos linguísticos como bobagem. Na verdade, não há nada de bobagem em usar tais expressões. A língua está cheia delas. Se formos dar crédito para a lógica rasa do professor, teremos que deixar de usar uma série de catacreses e formas linguísticas cristalizadas no português brasileiro porque elas não têm o sentido que se poderia depreender de sua observação literal. Teríamos que abandonar, por exemplo, o uso da expressão “via de regra” uma vez que literalmente quer dizer “canal por onde passa a menstruação”. Bobagem! Bobagem! Bobagem!
            Na mesma toada logicista já havia presenciado, num seminário de comunicação, o jornalista Alexandre Garcia, da Rede Globo, falar com certo orgulho, como se tivesse feito uma descoberta maravilhosa, que não se deve falar “correr risco de vida” e sim “correr risco de morte”. Que eu saiba, não há como colocar a morte em risco. Por outro lado, não posso falar a mesma coisa da vida, pois são incontáveis os vacilos que podem colocá-la em risco. Não fica difícil então concluir que é a vida que se pode por em risco, não a morte. Mas naquele seminário, o jornalista expressava-se com uma ênfase tal que parecia querer passar sermão na plateia incauta, certamente usuária de mais esse “abuso de linguagem”.
            Saí do auditório em que o loquaz jornalista pregava e fui consultar o povo que transitava pelo pátio da universidade para saber o significado de “correr risco de vida”. Não foi surpresa constatar, depois de perguntar a várias pessoas, que “correr risco de perder a vida” tenha sido a resposta predominante. Pelo menos uma coisa pode-se postular a partir da resposta mais escolhida pelos transeuntes: “correr risco de vida” é nada mais que “correr risco de perder a vida” depois de sofrer o processo de elisão do sintagma verbal “perder a”. O lamentável mesmo é constatar que essa tolice propagada pelo jornalista global ganhou crédito de muita gente de jornal e televisão. O que tem de gente correndo risco de perder a morte por aí, ou expondo a morte em risco não se conta.
            O que eu sei mesmo é que, via de regra, temos que dar um chega pra lá nesse tipo de argumento que gruda numa lógica claudicante e se esquece de enxergar a língua vivinha passeando pela boca do povo. Prof. Alan Oliveira Machado

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