BOBAGENS LOGICISTAS
Outro dia li um artigo
do simpático professor Pasquale Cipro, na Folha de São Paulo, no qual ele
tratava de algumas expressões a que chamava de bobagens. Dizia Pasquale que
“correr atrás do prejuízo”, forma cristalizada na fala cotidiana do brasileiro,
é uma bobagem porque ninguém corre atrás de prejuízo, mas sim de lucro. O
professor apega-se a um princípio lógico básico para se posicionar contra tal uso popular, qual seja: julgar os elementos
do plano da expressão pelo sentido referencial que eles adquirem dentro do
estrito campo de combinação do enunciado. Mas vejamos: se é tão óbvio que
ninguém corre atrás do prejuízo, não daria para o professor Pasquale, usando a
mesma lógica, concluir que a expressão “correr atrás do prejuízo” veicula outro
sentido, pelo que se pode observar, próximo ao contrário do significado literal
de “correr atrás do prejuízo”? Pelo que pude constatar, numa rápida pesquisa, “correr
atrás do prejuízo” parece significar, para os usuários de tal expressão, algo
como “se apressar em resolver problemas pendentes de modo a evitar um prejuízo
ou para amenizar os efeitos de um prejuízo”.
O que o ilustre professor Cipro faz
é usar um raciocínio bobo para julgar certos usos linguísticos como bobagem. Na
verdade, não há nada de bobagem em usar tais expressões. A língua está cheia
delas. Se formos dar crédito para a lógica rasa do professor, teremos que
deixar de usar uma série de catacreses e formas linguísticas cristalizadas no
português brasileiro porque elas não têm o sentido que se poderia depreender de
sua observação literal. Teríamos que abandonar, por exemplo, o uso da expressão
“via de regra” uma vez que literalmente quer dizer “canal por onde passa a
menstruação”. Bobagem! Bobagem! Bobagem!
Na mesma toada
logicista já havia presenciado, num seminário de comunicação, o jornalista
Alexandre Garcia, da Rede Globo, falar com certo orgulho, como se tivesse feito
uma descoberta maravilhosa, que não se deve falar “correr risco de vida” e sim
“correr risco de morte”. Que eu saiba,
não há como colocar a morte em risco. Por outro lado, não posso falar a mesma
coisa da vida, pois são incontáveis os vacilos que podem colocá-la em risco.
Não fica difícil então concluir que é a vida que se pode por em risco, não a
morte. Mas naquele seminário, o jornalista expressava-se com uma ênfase tal que
parecia querer passar sermão na plateia incauta, certamente usuária de mais
esse “abuso de linguagem”.
Saí do auditório em que o loquaz
jornalista pregava e fui consultar o povo que transitava pelo pátio da
universidade para saber o significado de “correr risco de vida”. Não foi
surpresa constatar, depois de perguntar a várias pessoas, que “correr risco de perder a vida” tenha sido a resposta
predominante. Pelo menos uma coisa pode-se postular a partir da resposta mais
escolhida pelos transeuntes: “correr risco de vida” é nada mais que “correr
risco de perder a vida” depois de sofrer o processo de elisão do sintagma verbal
“perder a”. O lamentável mesmo é constatar que essa tolice propagada pelo
jornalista global ganhou crédito de muita gente de jornal e televisão. O que
tem de gente correndo risco de perder a morte por aí, ou expondo a morte em
risco não se conta.
O que eu sei mesmo é que, via de
regra, temos que dar um chega pra lá nesse tipo de argumento que gruda numa
lógica claudicante e se esquece de enxergar a língua vivinha passeando pela
boca do povo. Prof. Alan Oliveira Machado
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