DO OUTRO LADO DA RUA
O nome do bar era Aula Vaga,
mas, com justiça, bem poderia ser chamado de Qualquer Aula... Ficava numa esquina a uns trinta metros do portão
da universidade e num fim de tarde de muitos, durante o horário das aulas de
Teoria da História e Filosofia Contemporânea, lá estavam duas almas solitárias
no puxado do boteco, separados por copos cheios de cerveja e unidos em
divagações. Um da Filosofia,
com cabeça raspada e um forçado e juvenil bigode nietzschiano enfeitando o
semblante romântico melancólico, o outro mal barbeado e com longos cabelos heavy metal meio pastosos era da
História e gesticulava enquanto enforcava um cigarro de bali entre o dedo
indicador e o polegar. -O tempo é uma ficção, velho! Só há linhas de fuga e
tangentes e máquinas de linguagem reinventando o nada sobre o nada, saca!!
Desabafou o estudante de bigode nietzschiano.
-Nada a ver, disparou o Hobsbawn roqueiro de araque: -Esse é um papo
homem bomba! E eu posso muito bem datar esse engodo metafísico ao longo dos
anos! E ali ficaram os dois atirando farpas lambuzadas de cerveja e defumadas pelas
piores cigarrilhas do campus. Então desabou um aguaceiro forte. A chuva formava
como que uma cortina de ferro entre o puxado do bar e a portaria da
universidade, o tempo feio separava aquela metafísica etílica da outra
concomitantemente semeada do outro lado da portaria do campus, como se fossem
duas ideologias antagônicas. Foi então que o homem bomba da filosofia deixou
despencar o ar melancólico do rosto e danou a babar a chuva: -Veja aí, velho,
essa chuva é uma dádiva, saca! É algo que suspende o deserto niilista da
existência e impõe o tumulto verde da vontade de potência... Essa coisa que faz
a gente assoviar sem saber por que e gargalhar para o mato molhado, saca!! A
chuva é o melhor... É a afirmação... É a volta por cima dos desvalidos, saca!!
Sorria, velho, sorria!!! E deu uma gargalhada e quis dançar pelo puxado do bar
lembrando Zaratustra. O historiador roqueiro apenas olhava e sorvia longas
tragadas do décimo cigarro. Aos poucos, a chuvarada recuou fazendo uma ou outra
estrela furar o turvo do céu e então o bar se encheu de mariposas, aleluias e
formigas de asas e a luz decadente que pendia sobre a mesa dos dois pensadores
virou uma festa caótica de insetos que fez o tal filósofo amaldiçoar a chuva
com os piores palavrões. 19-11-2012
Um comentário:
Meu velho, este texto me fez querer escrever algo semelhante,tentei, não consegui mas me restou a fortuna de me deliciar com várias releituras...
Abraços
Oz
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