sábado, dezembro 01, 2012




DO OUTRO LADO DA RUA

O nome do bar era Aula Vaga, mas, com justiça, bem poderia ser chamado de Qualquer Aula... Ficava numa esquina a uns trinta metros do portão da universidade e num fim de tarde de muitos, durante o horário das aulas de Teoria da História e Filosofia Contemporânea, lá estavam duas almas solitárias no puxado do boteco, separados por copos cheios de cerveja e unidos em divagações. Um da Filosofia, com cabeça raspada e um forçado e juvenil bigode nietzschiano enfeitando o semblante romântico melancólico, o outro mal barbeado e com longos cabelos heavy metal meio pastosos era da História e gesticulava enquanto enforcava um cigarro de bali entre o dedo indicador e o polegar. -O tempo é uma ficção, velho! Só há linhas de fuga e tangentes e máquinas de linguagem reinventando o nada sobre o nada, saca!! Desabafou o estudante de bigode nietzschiano.
-Nada a ver, disparou o Hobsbawn roqueiro de araque: -Esse é um papo homem bomba! E eu posso muito bem datar esse engodo metafísico ao longo dos anos! E ali ficaram os dois atirando farpas lambuzadas de cerveja e defumadas pelas piores cigarrilhas do campus. Então desabou um aguaceiro forte. A chuva formava como que uma cortina de ferro entre o puxado do bar e a portaria da universidade, o tempo feio separava aquela metafísica etílica da outra concomitantemente semeada do outro lado da portaria do campus, como se fossem duas ideologias antagônicas. Foi então que o homem bomba da filosofia deixou despencar o ar melancólico do rosto e danou a babar a chuva: -Veja aí, velho, essa chuva é uma dádiva, saca! É algo que suspende o deserto niilista da existência e impõe o tumulto verde da vontade de potência... Essa coisa que faz a gente assoviar sem saber por que e gargalhar para o mato molhado, saca!! A chuva é o melhor... É a afirmação... É a volta por cima dos desvalidos, saca!! Sorria, velho, sorria!!! E deu uma gargalhada e quis dançar pelo puxado do bar lembrando Zaratustra. O historiador roqueiro apenas olhava e sorvia longas tragadas do décimo cigarro. Aos poucos, a chuvarada recuou fazendo uma ou outra estrela furar o turvo do céu e então o bar se encheu de mariposas, aleluias e formigas de asas e a luz decadente que pendia sobre a mesa dos dois pensadores virou uma festa caótica de insetos que fez o tal filósofo amaldiçoar a chuva com os piores palavrões. 19-11-2012

Um comentário:

A deriva disse...

Meu velho, este texto me fez querer escrever algo semelhante,tentei, não consegui mas me restou a fortuna de me deliciar com várias releituras...

Abraços

Oz