MONTEIRO LOBATO E A PATRULHA BOCÓ
Prof. Alan Oliveira Machado
Há
pouco tempo houve uma polêmica envolvendo o MEC e o Conselho Nacional de
Educação com respeito ao conteúdo racista de algumas passagens do livro Caçadas de Pedrinho, de
Monteiro Lobato. Um ativista do movimento negro encaminhou denúncia a
instâncias do governo pedindo a retirada do livro da lista de obras do MEC e
cobrando seu banimento das salas de aula.
Imediatamente,
comandos ideológicos do movimento negro iniciaram uma patrulha para excomungar
a obra de Monteiro Lobato. E o que se viu foi gente que nunca leu uma página da
literatura lobatiana alimentando certo apedrejamento simbólico e insano do
escritor.
Monteiro
Lobato é, sem dúvidas, o maior escritor de literatura infantil das Américas.
Talvez o único que desde os anos 20 do século XX se comprometeu em produzir uma
obra exclusivamente para as crianças, mas sem a visão distorcida da infância
reinante na literatura voltada ao universo infantil daquela época. A obra de
Lobato, nesse quesito, é plural, criativa e educativa. Tanto é que faz sucesso
em muitos países. Em alguns, como a Argentina, é mais lida e reverenciada do
que no Brasil. Mas, inevitavelmente, em certos aspectos, a criação infantil
desse escritor é produto de uma época. Isso não diminui sua inventividade e nem
o seu valor, porém nos força a ser criticamente mais cuidadosos com certos
aspectos ao empreender sua leitura. E não é assim mesmo que se deve proceder
com qualquer leitura?
No
livro Caçadas de Pedrinho,
algumas expressões com negativa tintura racial utilizadas por Lobato, ao se
referir à personagem Tia Nastácia, soariam com naturalidade nos anos de 1930,
quando o livro em questão foi escrito. Entretanto, para os padrões culturais
contemporâneos tais expressões são grosseiras e visivelmente desrespeitosas com
o negro. Mas isso não justifica o banimento do livro. Não se pode ignorar as
muitas virtudes da obra infantil desse escritor paulista em função de um
aspecto negativo. A educação que prepara o ser humano crítico não exclui as
falhas humanas do espaço de formação da criança, pelo contrário, as traz para a
arena da sala de aula e as transforma em conteúdo educativo. Se não fosse
assim, a obra do filósofo grego Aristóteles que reproduz uma visão terrível da
mulher para os padrões de hoje, aspecto do seu pensamento perfeitamente comum
no contexto grego de sua época, lhe tiraria a posição de maior pensador do
mundo ocidental de todos os tempos e isso ninguém com neurônios funcionando
cogitaria imaginar.
As
patrulhas ideológicas são vozes críticas e contrárias em plena ação. Se fosse
só essa sua natureza seria uma maravilha, contudo patrulhas não raro boiam na
superficialidade, são indissociáveis de comportamentos autoritários e
invariavelmente adeptas da monocultura do saber, no caso o seu próprio. Assim,
tendem a querer eliminar o conteúdo que contraria o seu posicionamento em vez
de transformá-lo em objeto de formação crítica. O MEC e o CNE não cederam a
esse lado bocó das patrulhas. Optaram acertadamente por manter o livro Caçadas de Pedrinho na lista das escolas, orientando
os professores a debaterem seu ponto negativo e assegurando aos alunos o
convívio com suas muitas virtudes.
Em virtude dessa polêmica, aproveitei um tempinho à tarde
e reli Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Foi bacana
reencontrar o texto de Lobato com o mesmo sabor de infância de quando o li aos
treze anos, numa leva de livros que minhas irmãs trouxeram para casa nas férias de final de ano. Fui reler Caçadas de Pedrinho para
tirar a limpo a conversa de um desses militantes negros que tentou vender a
história de que o livro era racista e coisa e tal. Se a gente fosse dar
crédito ao alarde que fizeram era o caso de se imaginar que o livro é um
manual de racismo. A lembrança que tinha da leitura dessa obra de Lobato não
correspondia ao exagero do militante racialista, portando achei melhor voltar à
história do inventor da boneca mais sabida da história da Literatura
Infantil.
O que constatei foi que só há duas míseras
expressões dirigidas à personagem Tia Nastácia, em todo o livro, que podemos
constatar como sendo de mau gosto pelo tom racial que pode aventar. Nesta fala
de Emília: Não vai escapar ninguém - nem Tia Nastácia, que tem carne
preta. E mais à frente, quando as onças atacaram o sítio de Dona Benta e
Tia Nastácia subiu apavorada em um mastro, aparece a segunda expressão que os
militantes negros consideraram a mais infeliz, descrevendo a ação da referida
personagem: trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro...
Há quem conteste o conteúdo racial dessa segunda expressão afirmando que
Lobato se referia ao modo hábil como Nastácia, movida pelo medo,
escalou o mastro. Macaca de carvão não se refere à cor da
personagem, mas a uma espécie ágil de primata conhecida como mono carvoeiro ou
macaco de carvão. Tal espécie inclusive tem pelo dourado, conforme a
foto.
Nas quarenta e três páginas da edição de Caçadas
de Pedrinho que tenho aqui em casa, as duas expressões a que me referi
são as únicas com tintura racial preconceituosa, se considerarmos a
questionável segunda expressão. Mas o livro é tão interessante e a leitura flui
com tanta naturalidade que as expressões perdem-se na névoa da insignificância
em meio a uma reflexão atual sobre a relação do homem com a natureza que em
certos momentos nem parece feita no longínquo ano 1933: Os homens
andam a destruir todas as matas, a queimá-las, reduzi-las a pastagens para bois
e vacas.
Quanto à onça que a turma do sítio matou, motivo pelo
qual os politicamente corretos condenam o livro por dar mau exemplo, a
resposta sobre tal ato Monteiro Lobato põe na boca dos animais da mata: Ora,
isto é crime que pede a mais completa vingança. Guerra, pois! Guerra de morte a
essa ninhada de malfeitores. Essa capacidade de interpretar a realidade de
modo crítico, mas sutil nas histórias para criança que o criador do Sítio
do Pica-pau Amarelo dilui em sua obra parece não estar ao alcance das
patrulhas ideológicas, quase sempre patinando no grosso da superfície. O
conteúdo de Caçadas de Pedrinho não é racista e qualquer ser
inteligente pode constatar isso a menos que esteja entorpecido por uma cegueira
racialista muito distante do bom senso.
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