sexta-feira, março 10, 2006

O ESCREVIVER DE VITOR HUGO MARTINS

inquieta serra azul

Segue abaixo o texto que escrevi para a orelha do livro do Prof.Vítor Hugo Martins. Vale a pena ler o premiado livro Contos Cardiais.



Vitor Hugo Martins, esta figura camoniana por trás dos óculos escuros, perspicaz, carioca, é uma personagem rara dentro do nosso mundo acadêmico. Conjuga o rigor teórico, apolíneo, do Doutor, com a embriaguez, o desprendimento dionisíaco, do artista. Com a existência e a persistência desse homem, a Academia, muitas vezes ascética, fria e fechada, ganha por dois lados: por um, o professor competente e cativante, demasiadamente humano; por outro, a literatura refinada, de alta qualidade. Quem até então só conhecia o professor, a pessoa, verá, neste CONTOS CARDIAIS, o criador, o homem que luta com as palavras, luta vã, diria o poeta das epígrafes, mas infinda, inquietante e necessária como a vida.
Vitor Hugo é um flâneur, bem no sentido que dá João do Rio ao termo. É aquele andarilho inteligente, com o coração aberto ao mundo, às singularidades das vivências. Esse vagamundear certamente se reflete neste seu bem tramado livro de contos. Aqui, um périplo pelos cantos cardeais do Brasil se converte em CONTOS CARDIAIS, referentes ao coração. E este às vezes se avoluma, outras se apequena diante da força existencial de suas personagens, predominantemente gauches, de têmpera sangüínea, dionisíaca. Assim, vai-se enfileirando de conto a conto, de canto a canto, esta gente excluída, esta gente carnal, esta gente da margem: Divino, Diana, Gringo, Bonito, Bernadete, Ancila...
Porém, mais do que um desfile de almas, temos em CONTOS CARDIAIS o saboroso texto de um exímio escritor, de um perito na lida com a língua. No contato com o escreviver deste mestre, nos damos conta de que a verve, o estilo vitor-huguiano é fruto de profunda consciência de linguagem, da palavra, diga-se. Isso é o que denuncia a sua prosa paratática, picada, que se esquiva dos verbos, forçando o substantivo, o nominal, a ganhar efeitos inusitados, mediante hábil manipulação metabólica ou semântica. Ademais, com a mesma perícia que atribui ao seu “Divino 45” no estudo das vítimas, o autor se apropria, ainda, na medida certa, de bossas e tiques que dão a cada narrativa, situada regionalmente, um agradável colorido local.
Um livro de primeira, vibrante, rápido, é o que este deambulador (insaciável) nos entrega. E aqui temos, muito mais que o deleite, a sorte de apre(e)nder o mundo, a língua... Viva, vivíssima.

Alan Oliveira Machado
Poeta e professor

Goiânia, 14 de novembro de 2005.

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