Alan Oliveira Machado*
O Movimento Estudantil (ME) no
Brasil é protagonista de muitas lutas importantes. Suas ações atravessaram períodos
democráticos, períodos de exceção e suas bandeiras modularam a estampa sempre
oscilando entre as macropolíticas e as micropolíticas, mas invariavelmente
atravessadas pela preocupação social, pela preocupação com a inclusão de todos
os participantes do processo democrático que constitui o tecido social
brasileiro.
Nos seus contornos internos, o ME
travou muitos embates no interior da universidade país afora. Em Goiás, o ressurgimento, em 1980, das organizações
estudantis estranguladas anos antes na luta contra o regime militar possibilitou a retomada não apenas de grandes
pautas políticas, como a legalização dos partidos comunistas, mas a retomada do
debate sobre direitos dos estudantes que ainda não haviam sido concretizados
pela movimentação política dos estudantes. Nesse período de restabelecimento do
ME em Goiás surgiram muitas frentes importantes. Na faculdade de História da
UFG, por exemplo, o jovem estudante Gilvani Felipe, então presidente do CA de
História, e Romualdo Pessoa empreendiam uma significativa movimentação em busca
de garantir, no meio acadêmico, mais espaço para a reflexão sobre a memória dos
movimentos de resistência ao regime militar. A partir daí fortaleceram-se
iniciativas sobre a memória das lutas no campo, sobre a Guerrilha do Araguaia e
sobre a memória das lutas estudantis.
Nesse clima de consciência política
aguçada, as reivindicações por passe estudantil livre e mais a frente pela
instituição da meia entrada em eventos culturais e cinemas, mediante a
apresentação da carteirinha de estudante, ganharam força. A luta pela meia
entrada via carteirinha, por exemplo, mostrou dois importantes pontos positivos
que valiam a sua defesa a qualquer custo: primeiro formatava-se como uma
prática inclusiva uma vez que
instituída, a meia entrada garantiria a milhares de estudantes o acesso a
importantes expressões culturais do país, disponíveis apenas sob o pagamentos
de caros ingressos; depois o dinheiro da
venda das carteirinhas garantiria fundos indispensáveis à organização das lutas
dos estudantes espalhados por DCES, CAs, DAs, já que tal renda seria
distribuída em forma de cotas para todas as entidades estudantis, incluindo a
UNE e as UEEs.
Os estudantes venceram a luta pela
meia entrada. Segundo a associação de donos de salas de cinema, por exemplo,
40% dos ingressos vendidos representam a meia entrada. Mas como o direito de
emitir carteirinhas não é um privilégio apenas das entidades estudantis, sua
dupla finalidade inicial foi alterada. A renda que antes se destinava à organização
das entidades estudantis agora pode ser abocanhada por donos de escolas, por
professores e todo tipo de comerciante que pouco se importa com o movimento
estudantil, sua organização e suas lutas. Hoje em dia, há professor efetivo no
Estado que entra nas escolas da rede estadual pra fazer carteira de estudante
contrariando inclusive o estatuto do magistério. Pululam pelos meios escolares
verdadeiros camelôs de carteirinhas, imprimindo-as sem qualquer critério, com o único fim de
extrair lucro. A seriedade das carteirinhas cuja expedição exigia preenchimento
de formulário, cópia do comprovante de matrícula foi substituída até por
serviço delivery. Há empresas atuando em Goiânia que aceitam pedidos por
telefone e entregam a carteirinha em casa como se fosse uma pizza. Tudo isso
tem gerado suspeitas sobre a idoneidade dos expedidores de carteirinhas e
angariado prejuízos para as entidades e para os estudantes. Muitas empresas de
eventos culturais ou criam constrangimentos aos estudantes nas suas portarias
ou aumentam os preços dos serviços e espetáculos tornando o acesso à cultura
ainda mais inviável.
Está passando da hora de o Movimento
Estudantil retomar a discussão sobre o uso da carteirinha. Até porque entidades
representativas dos estudantes como a UEE-GO, os DCEs, DAs, CAs começam a
sofrer não apenas por causa do excesso de emissores de carteirinhas
descompromissados, mas pela baixa de credibilidade, pela desmoralização que a
mercantilização desordenada dessas identidades estudantis vem causando, coisa que
desvirtua as finalidades do benefício. Associações de entidades promotoras de
eventos culturais são unânimes em
afirmar que o volume alto de falsificações os obriga a aumentar o preço dos
ingressos, que pelo menos 20% dos
bilhetes de meia entrada nesses eventos são irregulares. Isso é grave e começa
a transformar algo que era um benefício em uma larga vala de exclusão. Por isso
mesmo que providências precisam ser tomadas. Nesse sentido, um dos caminhos seria acionar o Ministério
Público para que fiscalize as empresas e entidades responsáveis pela emissão
das carteirinhas no estado, para que investigue as irregularidades e ajude os
estudantes a por fim na farra em que se transformou a emissão de carteirinhas
no Estado de Goiás de modo a preservar o direito à meia entrada conquistado pelos estudantes à
custa de muita luta.
*Professor e Coordenador de Assuntos Estudantis da UEG/ Iporá.
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