sábado, abril 21, 2012

PELA MORALIZAÇÃO DAS CARTEIRINHAS DE ESTUDANTE



                                                                           Alan Oliveira Machado*

            O Movimento Estudantil (ME) no Brasil é protagonista de muitas lutas importantes. Suas ações atravessaram períodos democráticos, períodos de exceção e suas bandeiras modularam a estampa sempre oscilando entre as macropolíticas e as micropolíticas, mas invariavelmente atravessadas pela preocupação social, pela preocupação com a inclusão de todos os participantes do processo democrático que constitui o tecido social brasileiro.
            Nos seus contornos internos, o ME travou muitos embates no interior da universidade país afora. Em Goiás,  o ressurgimento, em 1980, das organizações estudantis estranguladas anos antes na luta contra o regime militar  possibilitou a retomada não apenas de grandes pautas políticas, como a legalização dos partidos comunistas, mas a retomada do debate sobre direitos dos estudantes que ainda não haviam sido concretizados pela movimentação política dos estudantes. Nesse período de restabelecimento do ME em Goiás surgiram muitas frentes importantes. Na faculdade de História da UFG, por exemplo, o jovem estudante Gilvani Felipe, então presidente do CA de História, e Romualdo Pessoa empreendiam uma significativa movimentação em busca de garantir, no meio acadêmico, mais espaço para a reflexão sobre a memória dos movimentos de resistência ao regime militar. A partir daí fortaleceram-se iniciativas sobre a memória das lutas no campo, sobre a Guerrilha do Araguaia e sobre a memória das lutas estudantis.
            Nesse clima de consciência política aguçada, as reivindicações por passe estudantil livre e mais a frente pela instituição da meia entrada em eventos culturais e cinemas, mediante a apresentação da carteirinha de estudante, ganharam força. A luta pela meia entrada via carteirinha, por exemplo, mostrou dois importantes pontos positivos que valiam a sua defesa a qualquer custo: primeiro formatava-se como uma prática  inclusiva uma vez que instituída, a meia entrada garantiria a milhares de estudantes o acesso a importantes expressões culturais do país, disponíveis apenas sob o pagamentos de caros ingressos;  depois o dinheiro da venda das carteirinhas garantiria fundos indispensáveis à organização das lutas dos estudantes espalhados por DCES, CAs, DAs, já que tal renda seria distribuída em forma de cotas para todas as entidades estudantis, incluindo a UNE e as UEEs.
            Os estudantes venceram a luta pela meia entrada. Segundo a associação de donos de salas de cinema, por exemplo, 40% dos ingressos vendidos representam a meia entrada. Mas como o direito de emitir carteirinhas não é um privilégio apenas das entidades estudantis, sua dupla finalidade inicial foi alterada. A renda que antes se destinava à organização das entidades estudantis agora pode ser abocanhada por donos de escolas, por professores e todo tipo de comerciante que pouco se importa com o movimento estudantil, sua organização e suas lutas. Hoje em dia, há professor efetivo no Estado que entra nas escolas da rede estadual pra fazer carteira de estudante contrariando inclusive o estatuto do magistério. Pululam pelos meios escolares verdadeiros camelôs de carteirinhas, imprimindo-as  sem qualquer critério, com o único fim de extrair lucro. A seriedade das carteirinhas cuja expedição exigia preenchimento de formulário, cópia do comprovante de matrícula foi substituída até por serviço delivery. Há empresas atuando em Goiânia que aceitam pedidos por telefone e entregam a carteirinha em casa como se fosse uma pizza. Tudo isso tem gerado suspeitas sobre a idoneidade dos expedidores de carteirinhas e angariado prejuízos para as entidades e para os estudantes. Muitas empresas de eventos culturais ou criam constrangimentos aos estudantes nas suas portarias ou aumentam os preços dos serviços e espetáculos tornando o acesso à cultura ainda mais inviável.
            Está passando da hora de o Movimento Estudantil retomar a discussão sobre o uso da carteirinha. Até porque entidades representativas dos estudantes como a UEE-GO, os DCEs, DAs, CAs começam a sofrer não apenas por causa do excesso de emissores de carteirinhas descompromissados, mas pela baixa de credibilidade, pela desmoralização que a mercantilização desordenada dessas identidades estudantis vem causando, coisa que desvirtua as finalidades do benefício. Associações de entidades promotoras de eventos culturais são  unânimes em afirmar que o volume alto de falsificações os obriga a aumentar o preço dos ingressos,  que pelo menos 20% dos bilhetes de meia entrada nesses eventos são irregulares. Isso é grave e começa a transformar algo que era um benefício em uma larga vala de exclusão. Por isso mesmo que providências precisam ser tomadas. Nesse sentido, um  dos caminhos seria acionar o Ministério Público para que fiscalize as empresas e entidades responsáveis pela emissão das carteirinhas no estado, para que investigue as irregularidades e ajude os estudantes a por fim na farra em que se transformou a emissão de carteirinhas no Estado de Goiás de modo a preservar o direito à  meia entrada conquistado pelos estudantes à custa de muita luta. 

*Professor e Coordenador de Assuntos Estudantis da UEG/ Iporá.

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