Prof. Alan Oliveira Machado

Para quem leu Escrever é diferente de falar, capítulo do livro Por uma vida melhor que enseja toda a polêmica, o que chama atenção na discussão estampada em revistas e jornais do País é apenas uma coisa: a maioria dos especialistas e pitaqueiros argumenta sem ter lido o tal capítulo do livro. Isso torna-se evidente nos textos que insistem em sustentar que o referido livro ensina “erro de português”. Não ensina! Ensina a variação padrão do Português brasileiro sem tratá-la como a única da língua. Quem leu o Escrever é diferente de falar conferiu logo na segunda página o seguinte: “Assim, os aspectos que vamos estudar sobre a norma culta podem ser postos em prática tanto oralmente como por escrito. Neste capítulo, vamos ler dois textos. Eles permitirão aprofundar questões relativas à escrita e à maneira formal de as pessoas se expressarem em português”. Como se vê, o foco do livro é o ensino da língua padrão voltado, é bom ressaltar, para a alfabetização de jovens e adultos e não genericamente para o ensino fundamental como vem sendo dito por muitos articulistas dos meios de comunicação.
Se há alguma falha a apontar na parte em questão do livro, pode-se dizer que os autores foram infelizes em chamar, a certa altura, variação popular da língua de “norma popular”. Fazer referência à “norma culta” e “norma popular” lado a lado dá a entender que as variações populares seguem uma norma preestabelecida tanto quanto a variação padrão, quando na verdade representam mais fuga do padrão ou reelaboração da língua em virtude da dinâmica do uso. Também não dá para levar a sério a afirmação de que “o falante deve dominar as diversas variantes”. O máximo que um livro com tal finalidade pode propor a educandos é que reconheçam a existência das variações, tenham consciência do seu uso e respeito pela multiplicidade que elas representam no corpo do fenômeno que é a Língua. Mesmo porque é sem pé e nem cabeça a ideia de dominar as formas não padrão. O verbo “dominar” não cabe nessa história.
Tirando esses dois deslizes de expressão no capítulo Escrever é diferente de falar, acredita-se que há pouco o que falar do livro senão que é uma obra perfeitamente adequada ao que se propõe e que não merece as distorções grosseiras a ele atribuídas, promovidas por gente que sequer o leu. O artigo de Lya Luft, na Veja do último dia 25 de maio, é um exemplo da inconsequência com a qual intelectuais, sobretudo das Letras, vêm tratando o assunto. Dona Luft provavelmente não leu o livro em questão, mas chega a afirmar que o MEC, ao adquiri-lo, “promove o não ensino da língua-padrão”, como se o livro não fizesse o contrário do que ela afirma. Opiniões semelhantes foram expressas pelo professor José Fernandes em O Popular de 22 de maio e Ercília Macedo-Eckel, no Diário da Manhã de 26 de maio. Ambos os intelectuais, respeitados no meio acadêmico goiano, debulham conhecimento literário em seus textos, mas o pouco trato com a Linguística os faz resvalar para uma opinião rançosa e desinformada. Que se saiba, neste chão goiano, até o momento, o único ponto de vista que ofereceu uma visão pertinente e linguisticamente embasada sobre o tema polêmico foi o manifestado por Alexandre Costa, em O Popular do dia 22 de maio. Costa, professor da UFG, é linguista e lucidamente afirma que “no processo de formação escolar, os estudantes têm de conhecer e aprender a língua padrão escrita para ter acesso aos (...) discursos privilegiados da cultura, da religião e da ciência”. O autor não apenas destaca a importância social do domínio da variação padrão, como também a coloca em seu devido lugar: “A correção gramatical só é relevante quando vem por último: primeiro, é preciso falar muito, escutar muito, ler muito e escrever muito; depois, é preciso refletir sobre os modos e os sentidos dessa atividade linguística, e suas possibilidades de expressão”.
Na verdade, os meios de comunicação têm alimentado uma falsa polêmica já que o objeto da contenda é uma fantasia criada e alimentada pela desinformação: não existe "o livro que ensina português errado". Tal quadro de animosidade se instaura geralmente quando a ideologia ultrapassa o bom senso, fazendo intelectuais se agarrarem apaixonadamente a posicionamentos, sem em tempo algum se debruçar sobre os elementos materiais que desencadearam a polêmica. A simples leitura do capítulo do livro em questão evitaria muita tinta desperdiçada e o rol de besteiras que vai migrando de jornal a jornal, de revista a revista, cada vez mais distanciadas do que está materializado no livro Por uma vida melhor.
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