segunda-feira, maio 30, 2011

SOB A AUTORIDADE DA DESINFORMAÇÃO

                                                      Prof. Alan Oliveira Machado

 O livro de Língua Portuguesa Por uma vida melhor, distribuído pelo MEC, vem causando, no meio intelectual, celeuma digna de uma gorda edição do Febeapá, do saudoso Stanislaw Ponte Preta. Stanislaw, pseudônimo do jornalista Sérgio Porto, horrorizado com a falta de senso no meio pensante, lançou nos anos de 1960 três tomos do Febeapá: Festival de besteiras que assolam o país, nos quais expunha com humor ferino as barbeiradas da inteligência brasileira. Se vivo, Sérgio Porto iria constatar que hoje a conjuntura está pior. Há mais tagarelice do que na época do seu Febeapá. A besteirada corre solta na internet; e nas Academias a inflação de títulos gerou uma deflação de conteúdos assustadora. 

Para quem leu Escrever é diferente de falar, capítulo do livro Por uma vida melhor que enseja toda a polêmica, o que chama atenção na discussão estampada em revistas e jornais do País é apenas uma coisa: a maioria dos especialistas e pitaqueiros argumenta sem ter lido o tal capítulo do livro. Isso torna-se evidente nos textos que insistem em sustentar que o referido livro ensina “erro de português”. Não ensina! Ensina a variação padrão do Português brasileiro sem tratá-la como a única da língua. Quem leu o Escrever é diferente de falar conferiu logo na segunda página o seguinte: “Assim, os aspectos que vamos estudar sobre a norma culta podem ser postos em prática tanto oralmente como por escrito. Neste capítulo, vamos ler dois textos. Eles permitirão aprofundar questões relativas à escrita e à maneira formal de as pessoas se expressarem em português”. Como se vê, o foco do livro é o ensino da língua padrão voltado, é bom ressaltar, para a alfabetização de jovens e adultos e não genericamente para o ensino fundamental como vem sendo dito por muitos articulistas dos meios de comunicação.

Se há alguma falha a apontar na parte em questão do livro, pode-se dizer que os autores foram infelizes em chamar, a certa altura, variação popular da língua de “norma popular”. Fazer referência à “norma culta” e “norma popular” lado a lado dá a entender que as variações populares seguem uma norma preestabelecida tanto quanto a variação padrão, quando na verdade representam mais fuga do padrão ou reelaboração da língua em virtude da dinâmica do uso. Também não dá para levar a sério a afirmação de que “o falante deve dominar as diversas variantes”. O máximo que um livro com tal finalidade pode propor a educandos é que reconheçam a existência das variações, tenham consciência do seu uso e respeito pela multiplicidade que elas representam no corpo do fenômeno que é a Língua. Mesmo porque é sem pé e nem cabeça a ideia de dominar as formas não padrão. O verbo “dominar” não cabe nessa história.

Tirando esses dois deslizes de expressão no capítulo Escrever é diferente de falar, acredita-se que há pouco o que falar do livro senão que é uma obra perfeitamente adequada ao que se propõe e que não merece as distorções grosseiras a ele atribuídas, promovidas por gente que sequer o leu. O artigo de Lya Luft, na Veja do último dia 25 de maio, é um exemplo da inconsequência com a qual intelectuais, sobretudo das Letras, vêm tratando o assunto. Dona Luft provavelmente não leu o livro em questão, mas chega a afirmar que o MEC, ao adquiri-lo, “promove o não ensino da língua-padrão”, como se o livro não fizesse o contrário do que ela afirma. Opiniões semelhantes foram expressas pelo professor José Fernandes em O Popular de 22 de maio e Ercília Macedo-Eckel, no Diário da Manhã de 26 de maio. Ambos os intelectuais, respeitados no meio acadêmico goiano, debulham conhecimento literário em seus textos, mas o pouco trato com a Linguística os faz resvalar para uma opinião rançosa e desinformada.  Que se saiba, neste chão goiano, até o momento, o único ponto de vista que ofereceu uma visão pertinente e linguisticamente embasada sobre o tema polêmico foi o  manifestado por Alexandre Costa, em O Popular do dia 22 de maio. Costa, professor da UFG, é linguista  e lucidamente afirma que “no processo de formação escolar, os estudantes têm de conhecer e aprender a língua padrão escrita para ter acesso aos (...) discursos privilegiados da cultura, da religião e da ciência”. O autor não apenas destaca a importância social do domínio da variação padrão, como também a coloca em seu devido lugar: “A correção gramatical só é relevante quando vem por último: primeiro, é preciso falar muito, escutar muito, ler muito e escrever muito; depois, é preciso refletir sobre os modos e os sentidos dessa atividade linguística, e suas possibilidades de expressão”.

Na verdade, os meios de comunicação têm alimentado uma falsa polêmica já que o objeto da contenda é uma fantasia criada e alimentada pela desinformação: não existe "o livro que ensina português errado". Tal   quadro de animosidade se instaura geralmente quando a ideologia ultrapassa o bom senso, fazendo intelectuais se agarrarem apaixonadamente a posicionamentos, sem em tempo algum se debruçar sobre os elementos materiais que desencadearam a polêmica. A simples leitura do capítulo do livro em questão evitaria muita tinta desperdiçada e o rol de besteiras que vai migrando de jornal a jornal, de revista a revista, cada vez mais distanciadas do que está materializado no livro Por uma vida melhor.

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