terça-feira, maio 24, 2011

ENSINO SUPERIOR: ENTRE A DEMOCRATIZAÇÃO E A MASSIFICAÇÃO

                                                        Prof. Alan Oliveira Machado

A acelerada expansão do ensino superior encampada pelo MEC a partir da segunda metade da década de 1990 trouxe consigo questões que aqueceram o debate sobre o destino da educação superior no Brasil. Por um lado refletia a preocupação com a qualificação de mão de obra propícia à disputa de espaços na economia globalizada, por outro ancorava-se no discurso de democratização do acesso ao ensino superior. Em um país de enormes desigualdades, o caminho da educação mostrava-se (e ainda mostra-se) como via de acesso a patamares socioeconômicos e culturais imunes à exclusão. Essa duplicidade de características, comumente tratada por teóricos como antagonismo, na compreensão do papel da educação superior permitiu a massificação desse ensino ao contrário de sua plena democratização. Tanto as correntes que pensaram a ação da universidade pelo mero viés do desenvolvimento econômico quanto as que se posicionaram tendo em vista a inclusão social tenderam a não equacionar os efeitos negativos de tal empreendimento na formação de discentes e na produção de pesquisa. O resultado disso foi a descaracterização do sentido de democratização do ensino por um intenso processo de massificação.
Segundo Chaui1, e isso reflete um endurecimento ideológico vazado por equívocos, “a contradição entre o ideal democrático de igualdade e a realidade social da divisão da luta de classes obrigou a universidade a tomar posição diante do ideal socialista”. O raciocínio da autora é representativo do recuo ideológico dos segmentos mais voltados para a defesa da democratização do ensino universitário no contexto da expansão. Percebe-se que para Chauí, o fato de “o ideal democrático de igualdade” e a “realidade social” não se equivalerem é determinante para a universidade se posicionar pelo socialismo.
A se seguir o silogismo implícito ao raciocínio da filósofa uspiana constata-se que sua conclusão é forçada. Se o ideal democrático de igualdade não se confirma na realidade social, seria mais pertinente propor ações e intervenções que conduzissem a realidade social a um plano de sintonia com o ideal democrático de igualdade. Direcionar a solução para um impasse entre democracia e socialismo é também ignorar as condições reais de modificação do contexto de desigualdade e exclusão.
Do mesmo modo, a voracidade capitalista com a qual a iniciativa privada saltou sobre a educação superior pouco acrescentou na ascensão do nível de formação discente e da produção de pesquisa. Segundo Corbucci2, na impossibilidade de enfrentar a demanda por educação superior, o Poder Público abriu “a possibilidade de atendimento da demanda represada pela via privada, viabilizada mediante certa desregulamentação do setor, ocorrida em meados dos anos 1990, no que se refere à flexibilização de requisitos para a criação de cursos e instituições”. O resultado disso foi em pouco tempo o aumento das vagas privadas em 249%. Diante do volume de vagas, os problemas de infraestrutura e baixa qualificação docente aumentaram vertiginosamente, por um lado encarecendo o ensino superior privado e por outro promovendo a queda da qualidade. A adoção em 1996 do Exame Nacional de Cursos, conhecido no meio estudantil como Provão, mostra na sequência de dados que nas instituições privadas cresceu o índice de cursos com conceitos D e E. Na classificação do MEC, os conceitos D e E são atribuídos a cursos que não atendem aos critérios básicos exigidos para a formação de nível superior.
Quando se propõe a democratização do ensino superior é premente que se tenha um plano de adequação da infraestrutura, um plano de carreira docente voltado para a priorização do ensino de qualidade e para a produção de pesquisa, o que implica investimentos em qualificação de professores e financiamento de pesquisa, bem como assegurar a execução de políticas que propiciem a permanência dos estudantes nas universidades em iguais condições de participação e de interação no meio. Sem esses elementos básicos assegurados, a expansão do ensino não significará democratização, pois sem professores, pesquisa e ensino de qualidade a universidade deixa de cumprir o seu papel de centro de formação. Formação, de acordo com Chauí3, é:

introduzir alguém ao passado de sua cultura (no sentido antropológico do termo, isto é, como ordem simbólica ou de relação com o ausente), é despertar alguém para as questões que esse passado engendra para o presente, e é estimular a passagem do instituído para o instituinte.

Além disso, sem esses atributos, o ensino superior perde a capacidade de produzir conhecimentos e, sobretudo, a capacidade de convertê-los em tecnologia e desenvolvimento social. Sem esses suportes que caracterizam o ensino superior, a universidade, em vez de espaço de formação do cidadão crítico e participativo, em vez centro democratizador do acesso ao conhecimento e à produção de pesquisa, passa a locus irradiador da massificação de conteúdos, a campo precário de treinamento de técnicos incapazes de se sustentar e de contribuir com o desenvolvimento socioeconômico e cultural.
Na conjuntura atual, o ensino superior tem o grande desafio de construir instrumentos capazes de sustentar a sua identidade, gradativamente fragmentada e pulverizada pela expansão sem planejamento adequado. Os seguidos resultados negativos nos exames e índices que medem o desempenho da educação superior dão margem a todo tipo de inferência sobre boa parte das universidades brasileiras e, antes disso, confirmam que os suportes básicos: docentes, infraestrutura e assistência aos estudantes não têm recebido a atenção necessária para que seu desempenho convirja para a afirmação e consolidação da real identidade do Ensino Superior.

1CHAUÍ, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo, 2003.
2CORBUCCI, Paulo Roberto. Desafios da educação superior e desenvolvimento no Brasil. Disponível em: www.ipea.gov.br . Acesso em 12 de abril de 2011.
3Em artigo anteriormente citado.

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