quinta-feira, março 24, 2011

QUEM FALA, CALA...



Vitor Hugo F. Martins  
Professor do Curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – Uneb. Doutor em Literatura, poeta, cronista e contista. Autor de Contos cardiais (Editora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, 2006).


Escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. 
(Clarice Lispector, Água viva)

Como sabemos, quem cala, fala. “Quem cala, consente”, diz a voz popular, e com alguma razão. É certo, porém, que, para o Direito, calar, por si só, não basta, não incrimina nem descrimina ninguém. Por isso mesmo existem mecanismos jurídicos – por que não dizer o nome certo, chicanas? – que protegem o depoente, fazem-no calar, sem ir de encontro à lei. Ora, com isso, inferimos que esse depoente disse menos do que sabia.

Por outro lado, o que poucos sabem é que quem fala, cala. Como pode ser isso? Simples: quem fala, pensa estar falando originalmente, livremente, por si mesmo, sem censuras. Ledo engano. Por quê? Porque está falando em nome do Outro, sem o saber. Assim, falando o que querem que falemos, acabamos calando o que verdadeiramente queríamos falar. Ainda que pensemos ter consciência do que falamos, no fundo, estamos silenciando-nos. É que o inconsciente nos trai. Quando, por exemplo, uma pessoa se diz anti-racista e despreconceituosa e fala “Fulana é negra, mas linda”, “Beltrano é gay, mas inteligentíssimo”, deixa-se trair pelo discurso do inconsciente, que se materializa pela vírgula e pela conjunção adversativa. Assim como nos fazem trair-nos a nos mesmos as instituições a que nos sujeitamos. Desse modo, a História oficial fala daquilo que a classe dominante quer que ouçamos: “Wladimir Herzog suicidou-se na prisão”. Dessa maneira, cala a verdade, a tortura e a morte do jornalista.

No nosso discurso do dia-a-dia, a fala que cala pode ser reconhecida sem muita dificuldade. Basta que atentemos para o que há de interdito no que falamos e ouvimos. Interdito que pode ser lido como o que está dito nas entrelinhas, porque não podemos/devemos/sabemos/queremos dizer.
O resto é silêncio...


Nenhum comentário: