quarta-feira, março 23, 2011

LEITURA VIRTUAL: O QUE É ISSO?


Luciano Rodrigues Lima (Doutor em Literatura, Professor titular da UNEB, Professor adjunto da UFBa)


Chama-se leitura virtual a leitura do texto na tela do computador (PC, lap top ou palm top), ou do texto projetado por um data show, projetor de cinema, tela de televisão ou mesmo um simples retro-projetor. O significado da palavra virtual é controverso (Gilles Deleuze, um pensador francês, alerta que o virtual não é o irreal, mas algo como o devir do real, uma espécie de futuridade do real), mas podemos falar de algumas de suas características: é algo que se revela como uma imagem do real, mas não possui uma corporeidade permanente; projeta-se como imagem e som perceptíveis, mas é resultado de um processo de codificação eletrônica e não do movimento de corpos reais (a música gravada é virtual, a voz ao celular, também, assim como o próprio texto impresso possui algumas características virtuais, pois representa as palavras que não estão sendo pronunciadas por nenhum aparelho fonador de verdade).


A imagem virtual necessita de um componente cultural para a sua percepção e compreensão. Muitos animais não reagem à comunicação virtual pois não são capazes de compreender a cultura e o significado das invenções humanas (embora possuam sua própria cultura), enquanto outros, como os macacos e, às vezes, gatos, percebem e reagem diante das imagens virtuais, numa surpreendente capacidade de adaptação cultural.


Voltemos, contudo, ao texto verbal virtual. A internet, o texto online, é, sem dúvida, o maior acervo de textos verbais para leitura virtual, cabendo citar, também, as edições eletrônicas de obras e textos de qualquer natureza, em CD-ROM, pen-drive, MP3, MP4, etc. A leitura desses textos se dá sempre em tela, mas essa concepção de leitura é avançada e o texto verbal pode ser associado a outros recursos midiáticos, como som, imagem em movimento, efeitos especiais de diversos tipos.


Se me perguntam se o texto virtual substituirá o livro, no futuro, respondo que não sei. O futuro da tecnologia virtual é imprevisível. Mas penso que o texto virtual possui vantagens em relação ao texto impresso. O texto virtual é mais ecológico pois não necessita de papel, material atualmente feito de celulose vegetal. Também não ocupa quase nenhum espaço, algo tão importante nas reduzidas moradias das cidades grandes. Mas a maior vantagem do texto virtual é a sua praticidade, explicada através de aspectos como a atualidade, a velocidade e a acessibilidade. O texto virtual é sempre atualizável, como os dicionários, glossários e edições de obras online. As edições eletrônicas de jornais e revistas são atualíssimas. Mesmo os textos pessoais são mais rápidos, bastando comparar a carta tradicional e o e-mail. O acesso ao conteúdo dos textos virtuais (corpora para pesquisas, edições eletrônicas de obras completas, referências bibliográficas e referências terminológicas) é sempre mais rápido. Se estou lendo, por exemplo, a obra completa de Freud em edição eletrônica e desejo pesquisar o tema “inconsciente”, a edição me dará a indicação de todas as páginas, livros e artigos em que o termo aparece. Além disso, o texto em tela é digitalizado e pode ser copiado, reformatado, enviado para qualquer outro computador em qualquer parte, transposto para outros meios eletrônicos e, caso o usuário ainda possua apego às coisas matérias em si, como aqueles leitores fetichistas que adoram cheirar os livros, o texto virtual pode ser impresso.


Penso que o Brasil, principalmente o MEC, os órgãos que lidam com cultura e ciência, as universidades, as editoras e mesmo aqueles que comercializam qualquer tipo de texto escrito, ainda precisam discutir uma política para disseminação do texto virtual. Sabe-se que existe, atualmente, mais leitura virtual do que leitura de texto impresso e mais lan-houses do que bibliotecas, mais e-mails do que cartas. E penso, ainda que existe mais escrita virtual do que escrita em papel. A escrita virtual é atraente, pois é assistida por revisores ortográficos, não existe partição silábicas, alerta-se contra repetição de palavras, pode-se corrigir infinitamente e já existem revisores gramaticais que auxiliam e alertam quanto às concordâncias verbal e nominal. Sem contar que se pode pegar qualquer informação online sobre nomes próprios, fatos históricos, obras, etc, para se utilizar na própria escrita.


De volta à questão das políticas públicas, parece existir, ainda, principalmente nas universidades, um forte preconceito contra o texto virtual, principalmente o texto através da internet. Para muitos países, como o Reino Unido, a Austrália, os Estados Unidos e o Canadá, a internet já é o espaço em que toda a cultura acumulada (todos os textos clássicos de todas as áreas do conhecimento) está disponível gratuitamente em língua inglesa. É como se fosse a grande biblioteca de Babel, como a concebeu o escritor argentino Jorge Luis Borges. Enquanto esses países disponibilizam seus textos em suas línguas, o que angaria prestígio para suas respectivas línguas e culturas, no Brasil ninguém disponibiliza nada. Faltam iniciativas e sobra desconfiança.
Se se quiser cobrar pelos textos, existem mecanismos como as livrarias virtuais, a exemplo do Questia, um portal onde se paga via cartão de crédito e se tem acesso a milhares de livros novos. Ou, buscam-se patrocinadores para os sites de leitura virtual. A pirataria eletrônica pode quebrar essa resistência ao texto virtual e tornar digital e gratuito o texto daqueles autores mais resistentes ao meio virtual. Assim, não querendo perder um pouco eles acabarão perdendo tudo. O texto virtual, no meu entendimento, democratiza a leitura.


Imprevisível, o futuro do texto virtual e do texto escrito (discussão já antecipada em Apocalípticos e integrados, de Umberto Eco, mas também preocupação de pensadores baianos como Antônio Risério, em Ensaio Sobre o Texto Poético em Contexto Digital) interessa a todos os leitores. Encerro este breve texto (virtual) com uma frase do pensador Jean-François Lyotard, para reflexão: “...no futuro, tudo que não couber em tela de computador será descartado”.

2 comentários:

selma miiller disse...

Excelente observação para o assunto, e um tópico rico de colocações, que nos convida a reflexão.

selma miiller disse...

Excelente observação para o assunto, e um tópico rico de colocações, que nos convida a reflexão.