quarta-feira, maio 14, 2008

LÍNGUA E PODER


Segundo Maurizzio Gnerre*, o poder desde muito tempo esteve ligado à língua, ou a língua ao poder. Quando os povos começaram a se organizar em nações e estados, houve a necessidade de homogeneização do entendimento, como estratégia de manutenção do poder. Por esse viés, cabe a compreensão de que se havia a necessidade de manutenção do poder, havia obviamente alguém no poder, que dele se beneficiava a ponto de querer preservá-lo.

Dentro dos castelos, conforme Gnerre, os reis e mandatários decidiam o que devia ser dito e o que poderia ser veiculado como crença. Decidiam, sobretudo, se certas palavras poderiam ou não ser usadas. Em primeira e última instância, a palavra do rei era a palavra real, verdadeira e incontestável. Resquício disso, o apego que cultivamos ainda hoje ao uso da variação padrão da língua como a única correta, a culta, reflete uma percepção pouco crítica da relação entre língua e poder. Afinal, quem determinou a variação padrão como a correta?

Se, a título de exemplo, nos reportarmos aos gregos, produtores das primeiras gramáticas, veremos que os usos do idioma grego formalizados em suas gramáticas correspondiam tão-somente aos modos de expressar e escrever de uma pequena elite de legisladores, administradores e grandes proprietários da época. Disso podemos concluir que há uma tendência política clara de quem ocupa o poder em impor seu uso lingüístico como a norma correta a ser seguida. A esse respeito não podemos nos esquecer dos Index probi, das listas latinas do que se devia ou não falar e escrever.

O resultado da imposição de uma variação como a correta, a melhor, representou desde sempre a exclusão social e a depreciação da diversidade lingüística e cultural de amplos segmentos da sociedade. Efeito disso, a extinção de línguas e culturas não ocorreu no mundo de forma natural. Ela se deu de forma agressiva e violenta, mediante a eliminação dos membros de tais culturas ou por meio do forçoso silenciamento de suas línguas, tendo como princípio a imposição da língua e da cultura do dominador. A eliminação da língua do dominado em favor da língua do dominador facilitou o controle e a exploração daquele, uma vez que o obrigou a pensar pelos moldes de quem o dominava.

Depois dessa rápida divagação, não seria bom a gente pensar no papel que estamos representando quando nos pomos a diminuir os outros em função do modo como falam ou escrevem? Há braços! ( alan, em 2007)
*GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

3 comentários:

alhures disse...

È, meu velho,constantemente afiando a navalha com a qual tem cortado as amarras deste nostro tempo...È isso! Talvez assim possamos (nós!!)nos libertarmos ou pelo menos, com os novos talhos ( e atalhos )beber sangue quente e novo, não é ?
A propósito, uma pérola o "epitáfio" do cara, o Cioran.

E...Catão estava certo ? Cartago foi destruida...

Oz

Anônimo disse...

pouco abrangente, superficial. Uma lástima! Não gostei. Brincadeira, caro Alan, estou surpreso com a sua eloqüência, com seu persistente caminhar rumo ao aperfeiçoamento da arte de escrever. Tem estado um tanto desligado... talvez dando tempo ao tempo, esse tempo que o nosso amigo Oz tanto "venera" em suas saudações saudosistas háháhá... Ele pode estar certo. Em um dos meus contos, o narrador já dizia: "O tempo é deletério e implacável".

Estou me deliciando com os seus textos. Só hoje, 16 de maio de 2008,depois que recebi um e-mail do Ozênio é que tive acesso ao seu blogger e imediatamente começei a ler os seus textos. Farei alguns comentários depois de lê-los todos.

Zé Ramos

Alan Oliveira Machado disse...

Velho Ozy, Catão era grego e não sabia. A angùstia da influência destruiu Cartago.

Caro amigo, Ramos, obrigado pelo comentário. Os mistérios do fundo flutuam diante dos mergulhadores. Mas, assim como nós, simples mortais, os mergulhadores precisam da superfície para poder respirar. alan