sexta-feira, abril 11, 2008

O ALMOÇO


(alan oliveira machado, 2005)

Tudo aconteceu como tinha de acontecer. Um breve encontro numa mesa de restaurante. Um longo ritual de acasalamento? Lamento. Os olhos dela passeavam por meus traços e eu tentava racionalizar o que via e sentia. Naufrágio total. Um corpo é um turbilhão de coisas e minha nau era frágil. Enquanto isso, a voz daquele ente aveludava os meus ouvidos. Ô vida... Coração pulsando a mil. Ela me queria, mas para quê? Imbecilidades que rondam a cabeça provocando a contração dos intercostais e impulsionando as bolas dos olhos a vagar desgovernadas para cima, para baixo, à esquerda e à direita. Tudo poderia ter sido só fantasia. Qualquer cabeça faria isso. Não gostamos de perder, então simulamos alguma forma de vislumbrar a apoteose. Errei a boca. A comida caiu na roupa, vexame, e a boca da fêmea se deliciou: a língua umedeceu os lábios. A boca carnuda agora pedia para ser sobremesa. Isso era constatação minha, ainda sem me recompor do erro da boca. O garfo virou um tridente, estava vermelho, disfarcei: - Está quente aqui! Passei um guardanapo sobre a malha da camisa. Mirei o pescoço de porcelana, mais uma fantasia... Pedaço de gueixa? Da base do gargalo de porcelana descia um colar. Na extremidade, uma figa oscilava entre as intumescências dos seios, libertas pelo amplo decote. Meus olhos também passeavam. Sabia muito bem onde se escondiam os princípios dos meus desejos. Sei-os. Ela levou o copo à boca e me olhou fundo. Meu nariz se abriu, queria o seu cheiro. Um leve perfume me invadiu, suaves imagens da Índia, do Oriente. Minha mão comprimiu o guardanapo. Ela devia esconder algum segredo. No dedo a lua sorrindo. O anel e a mulher. Respirei, meu nariz começou a coçar. Não sabia mais como usar as mãos. O corpo dela me descorporificou. Seu corpo era Lilith ou Sherazade? Uma mosca pousou na borda do meu copo. Limpou-se, alisou-se como lady enojada... Mosca neurótica, invertebrado com mania de limpeza! Tentei tangê-la, a mão foi mais pesada que o impulso... O copo tombou. A moça levantou-se de vez, o suco dourou a toalha, as pernas dela eram douradas. Olhar duro, sorriso inseguro, sorriso resignado... Tinha perdido a chance? A mosca pousou no meu nariz. Perdi a paciência com o inseto, resmunguei... Agitei as mãos. Quando levantei os olhos, a moça era apenas um vulto saindo pela porta do restaurante. Meu queixo cedeu, a boca ficou entreaberta. Olhar vago... Inação. Uma onda de náusea cresceu dentro de mim, se avolumou e me paralisou. De pé, olhei para o prato sobre a mesa. A mosca higienizava-se em cima de um caroço de feijão. O cheiro do estabelecimento me atordoava. Imaginei uma pocilga: um leitãozinho com a minha cara chafurdava na lavagem que estava sendo despejada por uma linda garota. Quando o corpo dela se curvou para derramar mais lavagem, vi entre as sinuosidades dos seios uma figa dourada. Passaram-se horas em milésimos de segundos. Senti um esbarrão. Confuso, vi uma mulher gorda atravessar em minha frente, carregava um menino feio nos braços. Então me dei conta de que já estava na porta do restaurante. Pensei em ir para casa. Saí repetindo mentalmente três palavras: libido, lufada, lupanar... Tudo inesperadamente. Libido, lufada, lupanar.

Nenhum comentário: