sexta-feira, abril 04, 2008

CICLOS FUGAZES

Para Líris Gamper Machado

Algumas crianças tumultuavam em minha frente. Vi que não conseguiria ingressar pela portinhola, então recuei dois passos. Minha filha me sorria lá adiante, apreensiva, mas disposta para a aventura. Desci os degraus e virei apenas espectador. O mundo começou a girar. Minha filha passou, rápido, e me acenou feliz. O mundo dava voltas alegres.

Fiquei perdido naquela miríade de cores e verde. De verdes cores talvez. Um pipoqueiro se aproximou, o sorriso simpático me encaminhava certamente para o último pacote de pipocas no canto da carrocinha. Minha filha passou acenando novamente, alegre e um pouco insegura. Concentrei o olhar nas pipocas, instantes atrás eram milhos plenos de potência. Agora, não passavam de pipocas fúteis, anêmicas, mera distração para crianças. Até o cheiro era volúvel e enjoativo. Minha filha passou em minha frente, introspectiva, não sorriu. Endereçou-me um olhar dizendo que contava com o meu apoio.

Sentei-me num banco ao lado de uma paineira, mantive-me parado enquanto o mundo dava voltas. O pipoqueiro sumiu entre as árvores e eu simplesmente fitei aquele pacote de milhos que já não eram milhos, mera distração para crianças, em minhas mãos. Pipocas encardidas que iriam ser devoradas desrespeitosamente por minha filha.

Na copa da paineira, alguns pássaros faziam bagunça. Meus olhos alcançavam apenas pequenas sombras saltitantes, entre folhas e tímidos raios de sol, quando um cheiro adocicado de criança suada impregnou o ar. Olhei para as pipocas amontoadas no aperto do saquinho... Como as coisas são efêmeras... Levantei as vistas, o tumulto havia recomeçado. O mundo parou. Confusão de gritos e vozes. Minha filha sobressaiu a todos. Seus olhos brilhavam. Minha filha é sempre a primeira. Meus olhos brilhavam. Preparava-me para o abraço. As pipocas voaram desordenadas. Impacto feliz! A roda-gigante já não existia mais. Só sabia do calor e do contentamento.

(alan oliveira machado, em 2002)


2 comentários:

alhures disse...

Texto muito bem escrito, leve e de uma pureza especialmente singela.A mim, não é uma surpresa. Conheço o autor e à pequena infante a quem foi dedicado o mesmo. Meu velho,pequenas pérolas como esta é o que restará no bornal dos tempos quando tudo o mais estiver distante e gris...

Oz

Kaleidoscopio disse...

Meu Amor,

Juntos fizemos o que temos de mais maravilhoso em nossas vidas.
Nossa filha Líris, pois ela é tudo o que sonhamos uma criança meiga, querida, ponderada, preocupada com o outro e que vive a distribuir amor em quantidades gigantescas para todos com quem ela convive.
Querido nós amamos você!
Beijos

Anairam