terça-feira, agosto 29, 2006

FLORESTA SEMIÓTICA


Tudo é uma questão de desejo. Vivemos em uma floresta semiótica e o nosso desejo, sobre o qual quase sempre não temos domínio, constrói e edita as semioses necessárias para compor os nossos sonhos, independente de seus duplos negativos, de modo a nos manter aptos a continuar acreditando que vale a pena a existência. Aqui, temos de esclarecer dois termos: Semiótica e Semioses.
A Semiótica é a teoria geral dos signos, aliás, esse nome vem do grego semeion que quer dizer signo. Mas qual a importância de uma teoria geral dos signos? O que justifica uma teoria geral dos signos é o fato de o ser humano viver em um mundo eminentemente simbólico, ou seja, em um mundo composto por elementos aos quais ele deu sentido. É da natureza do homem atribuir significados a tudo que o rodeia. Isso se dá talvez porque sua fragilidade animal o fez apurar os sentidos para se proteger das incertezas ou ameaças do mundo. Assim, o homem desenvolveu as linguagens mais complexas do reino animal e edificou o mundo como linguagem.
A Semiótica investiga tudo que tenha significado, o processo pelo qual se chega ao significado. Ela começa com o elemento mínimo de significação que é o signo e há vários conceitos de signo. Os mais utilizados são: signo é alguma coisa que significa algo para alguém; signo é algo que está no lugar de outra coisa; signo é a união de um significante com um significado.
O primeiro conceito, de extração pierciana[1], nos remete ao caráter individual do processo de criação de significados: se alguém atribuir algum valor específico a qualquer objeto do mundo, esse objeto passará a ser um signo particular, ou seja, o objeto remeterá esse alguém ao valor específico e o valor específico o remeterá ao objeto. Uma vez socializada essa relação entre o objeto e o valor específico, tal signo passará a fazer parte da língua.Se o primeiro conceito de signo se centra na relação entre um alguém e um objeto do mundo, o segundo conceito[2], por sua vez, enfoca a relação entre o objeto do mundo e o valor atribuído a ele. Quando se diz que um signo é algo que está no lugar de outra coisa, na verdade se está dizendo que é impossível comunicar coisas de natureza distinta da linguagem senão mediante uma operação abstrata na qual um elemento lingüístico ocupará o lugar do objeto não lingüístico. Se, por exemplo, alguém diz: cadê o lápis? Certamente, o nome e o valor lápis estão no lugar do objeto lápis que é de outra natureza.
O terceiro conceito, de extração saussuriana[3], concentra-se no aspecto estrutural do signo, ou seja, o signo, no plano da linguagem, é composto por um significante, ou melhor, por um nome ligado a um significado e significado aqui é o mesmo que um conceito, uma idéia, um valor. Essa junção de natureza arbitrária, já que é afetada por semioses, impõe-se como elemento primário na formação de qualquer processo significativo.
O processo de comunicação e de compreensão ganha rarefação ou densidade a depender do nível das semioses. A semiose, segundo Pierce, é o processo dinâmico, gerador da interpretação, desencadeado pelo signo na mente do receptor. Nesse processo, o signo tem um efeito cognitivo sobre o interprete. Esse efeito cognitivo, que muitas vezes começa numa relação direta com um objeto e se estende até a abstração completa, é que gera a ilusão de compreensão.
Dadas as devidas explicações, voltemos a nossa questão central, qual seja, a de que vivemos em uma floresta semiótica e que o nosso desejo constrói e edita semioses de modo a nos manter presos à existência. Sim, o que há em torno de nós que não está sob o crivo do nosso julgamento, da nossa interpretação? Nada! Porque tudo a que dirigimos os nossos sentidos acaba entrando num processo semiótico ilimitado, infinito como o desejo. A todo o momento, então, estamos derrubando ou plantando árvores, colhendo significados em outras árvores que se emaranham e se entrelaçam na densidade da floresta simbólica. Colhemos apenas signos e construímos significados que vão compor a nossa acolhedora gleba, que vão nos territorializar com certa segurança. Isso não implica que a todo o momento os frutos sígnicos de outras árvores não nos tentem, não nos provoquem, não sejam atirados em nossa cara por outros habitantes da floresta, causando-nos terrível mal-estar. É possível também que abocanhemos frutos que nos tirarão o solo arremessando-nos ao desencanto e ao desespero ou configurando a realidade simbólica de forma agradável.
O desejo parece uma espécie de guia independente que nos conduz nessa floresta semiótica. A partir dele, como vontade afirmativa, reunimos elementos emotivos, culturais, condicionamentos psicológicos e situacionais que vão alimentar o fluxo de semioses. Esses elementos dão o tom das particularidades do ato interpretativo, formatam os interpretantes, e as particularidades geram expressividade variada, polissemia e paráfrase, além de equívocos e falhas de entendimento, entre outros pontos de deriva. Isso nos faz pensar que não há como separar desejo de linguagem. A impossibilidade de fazer essa secção nos leva a crer que toda produção de sentido, portanto, será aberta.
Se toda intervenção semiótica, melhor dizendo, se toda produção de sentidos é aberta, seu fechamento só pode ocorrer no plano do imaginário. Sob a égide do imaginário, transitamos pela floresta semiótica. Ele é o instrumento do desejo que, contraditoriamente, nos ajuda a compor a ilusão de ordem, de completude e de certeza[4]. Essa ilusão determina nossas atitudes, nossos encantos e desencantos. Compomos o mundo então como uma imensa tela linear e nos recusamos, ou resistimos ou evitamos vê-lo estilhaçado o tempo todo pelas contingências e pelo caos que constituem a realidade.
Cá para nós, meus amigos, a quem dediquei este tortuoso e precário texto, em que beco sem saída estamos metidos! Mas, animemos, pois o mérito de um texto não está tanto nas informações que ele transmite, quanto nas estimulações que ele cria.Há braços! alan oliveira machado, 2005.
[1] PIERCE, C. Collected papers. USA: Harvard University Press, 1931-58.
[2] Idem
[3] SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
[4] Pelo menos na visão lacaniana , é da natureza do imaginário o recorte, o fragmento, a variação.

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