terça-feira, fevereiro 21, 2006

FORISMO E FANTASIA: February 2006

Embora escrito há praticamente 1ano, ainda acho válida a seguinte provocação:

Olha, penso que a gente tem que parar com esse papinho cheio de compaixão, cheio de laivos cristãos com respeito a quem está em Uibaí. O povo de Uibaí já se preocupou com alguma porrada, gás lacrimogêneo, processos judiciais, perseguições etc, problemas pelos quais passamos em nosso cotidiano de luta, com o fito de melhorar o país, nos exílios onde vivemos? Ou eu estou enganado e as pessoas que estão discutindo aqui (no uibaionline) não cultivam uma prática política cotidiana?
Esse tipo de fragilidade do povo, subentendida aqui em vários textos e apregoada em outros tantos, reflete a meu ver mais uma construção imaginária de quem enuncia do que do povo de Uibaí. Não estou querendo com isso dizer que não haja problemas e perigos em Uibaí. Penso apenas que os há em qualquer espaço social. E é ingênuo (para não dizer algo mais pesado) achar que iremos resolvê-los. Nós não somos salvadores de Uibaí, isso é um titanismo romântico que invariavelmente engendra autoritarismo nas relações com o povo. Não raro, as pessoas que se intitulam salvadoras de outras tendem a infantilizá-las, a dar-lhes ordens e cercear-lhes os gestos e desejos. Tendem a ser mais normativas do que construtivas. E não raro também são vítimas da transferência negativa, ou seja, o grupo “salvo” explode o vínculo com o “salvador”, produzindo neste o desencanto: "o povo é traíra; esses desgraçados merecem é sofrer mesmo." Assim ouvi muitos desabafarem, salvo engano até mesmo neste espaço, na ocasião da última derrota eleitoral.
Quero apontar, com esta rápida reflexão, a necessidade de uma estratégia de ação que não configure ação para o povo nem ação sobre ele, mas ação com, ação entre. Não se leva consciência a ninguém. Ouvi por muito tempo meus chegados de esquerda com esse papo de "vamos conscientizar o povo". Consciência se constrói no cotidiano, no embate, na relação franca e honesta no meio social. Temos então que preparar a horta para que nasça a consciência. E o que é isso? No plano pragmático estamos no caminho certo: fazendo eventos sociais e culturais, publicando informativos para gerar debate e discussão, oferecendo a nossa formação intelectual à comunidade etc. O que temos que corrigir a meu ver então são esses hábitos titânicos que trazemos interiorizados e que sabotam nossas boas intenções. Quando a gente do Boca do Inferno, por exemplo, se desdobra para refletir, para tocar em feridas e em hábitos nefastos, fazemos isso exatamente com a consciência de que precisamos manter o ambiente uibaiense em constante ebulição. A inquietude e o mal-estar que a crítica gera, fazem pensar, fazem circular idéias, fazem surgir alternativas de ação e de resistência.
(alan oliveira machado, uibaionline, 11 de abril de 2005)

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