quinta-feira, abril 13, 2006

BAR CULTURAL (12 de abril de 2006)

BAR CULTURAL

Para Helga Oliveira Machado.

Esta é uma daquelas idéias que a gente se sentiria feliz se alguém copiasse e saísse à frente para realizá-la. Imaginem comigo a existência de um singelo imóvel na Praça Velha ou Nova de Uibaí com o nome Bar Cultural, acompanhado das subscrições: Aqui você pode encher a cara de conhecimento! Aqui você pode indagar o quanto quiser sobre a existência, sobre o mundo, a vida, o amor, a arte... E não precisa pagar a conta!
O bar seria tradicional, quer dizer, com um vão cheio de mesas, tendo ao fundo o balcão. Por trás do balcão, o atendente pronto a servir os freqüentadores. Nas paredes, no lugar de cartazes de loiras oferecendo cervejas, teríamos cartazes de escritores e escritoras das mais distintas lavras. Nas prateleiras, em vez de bebidas variadas, livros e mais livros. Livros, livros, livros... De todos os calibres! Literatura: poesia, romances, teorias literárias; Filosofia em variadas correntes, Política, Antropologia, Psicologia, Psicanálise Lingüística, Semiótica e demais ciências humanas; curiosidades, cultura mundial, e mais e mais e mais...
Então, me acompanhem, caros leitores, nessa viagem imaginária: entra um velho freguês no bar e o atendente corre ao encontro dele:
- Vai de que hoje, seu Gleissom?
-Hoje não estou bem, quero encher a cara de Fernando Pessoa. Traga aí uma dose bem grande do Livro do Desassossego e uma porçãozinha de Cioran para tirar o gosto!
Aí o atendente, como todo bom barman, dá aquela sugestão eivada de experiência:
- Pelo seu estado, eu recomendaria uma talagada sarada de O Guardador de Rebanhos! E Cioran já foi servido na mesa de dona Daiane, ao lado. Temos como alternativa As Dores do Mundo, de Schopenhauer, que está desocupado ali na mesa de Popoca. Se não for do agrado, o senhor poderá escolher aqui no nosso cardápio algum escritor ultra-romântico como acompanhamento.
No Bar Cultural seria assim, no dia em que o Clube Canabrava anunciasse uma Noite de Seresta, o bar anunciaria uma Noite de Machado de Assis. Na semana em que o Voz do Povo anunciasse o Baile da Saudade, o bar anunciaria o Corpo de Baile, de Guimarães Rosa. Na medida em que nos outros bares se toma uma ordinária Seleta, no Bar Cultural se consumiria a melhor Seleta de Drummond, a Seleta de Bandeira, a de Ruben Braga, a de Mário, a de Oswald, a de Manoel de Barros, a de Leminski, entre muitas opções. Lá estaria sempre acessível a melhor safra de Cecília, Clarice, Raquel, Lígia, Ana Cristina César... Isso sem contar com as Raízes locais: Pita, Enoch, Valmir, Bebeto, Pedro Lopes e aqueles miseráveis do Boca do Inferno entre tantos.
Esse bar seria a salvação? Claro que não, mas muita gente sairia Em Busca do Tempo Perdido ao descobrir que Proust cura qualquer dor da alma, que Cecília faz flutuar, que Manoel de Barros nos recriancifica. Que Dostoiévski limpa mais o espírito do que uma garrafa de Chave de Ouro. Aliás, chaves de ouro só estariam mesmo à disposição nos sonetos parnasianos oferecidos de brinde aos freqüentadores da casa.
Aí, todo dia teríamos o bar cheio. O enleio, o eu leio. As mesas propagando doces e barulhentas indagas; e recitais e happenings e delírios e risadas e suspiros... Nos arranca-rabos, muitos palavrões e quão divertidos de se ouvir: Seu sartriano maluco! Sai pra lá com sua ambigüidade machadiana, liliputiano duma figa! Não suporto esse seu bovarismo! Trator cartesiano! Niilista! Balzaquiana indigesta! Desapareça com esse caráter macunaímico! Isso é um delírio foucaultiano, uma fraqueza pós-estruturalista! Uma frigidez positivista. Filhote de Maquiavel, terrorista bakuniniano! Macaquinho pós-moderno, pereba edipiana! Isso é delírio interpretativo... Seria divertido sim, porque as pessoas certamente não seriam mais as mesmas e toda a hostilidade não passaria obviamente de um jogo: o gozoso jogo do saber, do saber-se. O Ensaio Sobre a Cegueira. O ir do verme ao ver-me, o transver, o desver... Seria um sonho muito bom.
Pois bem, amigos leitores, antes de escrever este texto havia tomado uma boa dose de Eça de Queiroz. Tinha consumido avidamente o conto José Matias. Sei que não tem muito a ver (ou teria?), mas experimentem. Se for convincente a gente coloca no cardápio do Bar Cultural.
Há braços! (alan oliveira machado)

Nenhum comentário: