terça-feira, maio 31, 2011

PROFESSOR JOSÉ LUIS FIORIN DÁ UMA AULA DE LINGUÍSTICA

Uma aula para os desinformados que alimentam a falsa polêmica sobre o livro Por uma vida melhor.  Alan

segunda-feira, maio 30, 2011

SOB A AUTORIDADE DA DESINFORMAÇÃO

                                                      Prof. Alan Oliveira Machado

 O livro de Língua Portuguesa Por uma vida melhor, distribuído pelo MEC, vem causando, no meio intelectual, celeuma digna de uma gorda edição do Febeapá, do saudoso Stanislaw Ponte Preta. Stanislaw, pseudônimo do jornalista Sérgio Porto, horrorizado com a falta de senso no meio pensante, lançou nos anos de 1960 três tomos do Febeapá: Festival de besteiras que assolam o país, nos quais expunha com humor ferino as barbeiradas da inteligência brasileira. Se vivo, Sérgio Porto iria constatar que hoje a conjuntura está pior. Há mais tagarelice do que na época do seu Febeapá. A besteirada corre solta na internet; e nas Academias a inflação de títulos gerou uma deflação de conteúdos assustadora. 

Para quem leu Escrever é diferente de falar, capítulo do livro Por uma vida melhor que enseja toda a polêmica, o que chama atenção na discussão estampada em revistas e jornais do País é apenas uma coisa: a maioria dos especialistas e pitaqueiros argumenta sem ter lido o tal capítulo do livro. Isso torna-se evidente nos textos que insistem em sustentar que o referido livro ensina “erro de português”. Não ensina! Ensina a variação padrão do Português brasileiro sem tratá-la como a única da língua. Quem leu o Escrever é diferente de falar conferiu logo na segunda página o seguinte: “Assim, os aspectos que vamos estudar sobre a norma culta podem ser postos em prática tanto oralmente como por escrito. Neste capítulo, vamos ler dois textos. Eles permitirão aprofundar questões relativas à escrita e à maneira formal de as pessoas se expressarem em português”. Como se vê, o foco do livro é o ensino da língua padrão voltado, é bom ressaltar, para a alfabetização de jovens e adultos e não genericamente para o ensino fundamental como vem sendo dito por muitos articulistas dos meios de comunicação.

Se há alguma falha a apontar na parte em questão do livro, pode-se dizer que os autores foram infelizes em chamar, a certa altura, variação popular da língua de “norma popular”. Fazer referência à “norma culta” e “norma popular” lado a lado dá a entender que as variações populares seguem uma norma preestabelecida tanto quanto a variação padrão, quando na verdade representam mais fuga do padrão ou reelaboração da língua em virtude da dinâmica do uso. Também não dá para levar a sério a afirmação de que “o falante deve dominar as diversas variantes”. O máximo que um livro com tal finalidade pode propor a educandos é que reconheçam a existência das variações, tenham consciência do seu uso e respeito pela multiplicidade que elas representam no corpo do fenômeno que é a Língua. Mesmo porque é sem pé e nem cabeça a ideia de dominar as formas não padrão. O verbo “dominar” não cabe nessa história.

Tirando esses dois deslizes de expressão no capítulo Escrever é diferente de falar, acredita-se que há pouco o que falar do livro senão que é uma obra perfeitamente adequada ao que se propõe e que não merece as distorções grosseiras a ele atribuídas, promovidas por gente que sequer o leu. O artigo de Lya Luft, na Veja do último dia 25 de maio, é um exemplo da inconsequência com a qual intelectuais, sobretudo das Letras, vêm tratando o assunto. Dona Luft provavelmente não leu o livro em questão, mas chega a afirmar que o MEC, ao adquiri-lo, “promove o não ensino da língua-padrão”, como se o livro não fizesse o contrário do que ela afirma. Opiniões semelhantes foram expressas pelo professor José Fernandes em O Popular de 22 de maio e Ercília Macedo-Eckel, no Diário da Manhã de 26 de maio. Ambos os intelectuais, respeitados no meio acadêmico goiano, debulham conhecimento literário em seus textos, mas o pouco trato com a Linguística os faz resvalar para uma opinião rançosa e desinformada.  Que se saiba, neste chão goiano, até o momento, o único ponto de vista que ofereceu uma visão pertinente e linguisticamente embasada sobre o tema polêmico foi o  manifestado por Alexandre Costa, em O Popular do dia 22 de maio. Costa, professor da UFG, é linguista  e lucidamente afirma que “no processo de formação escolar, os estudantes têm de conhecer e aprender a língua padrão escrita para ter acesso aos (...) discursos privilegiados da cultura, da religião e da ciência”. O autor não apenas destaca a importância social do domínio da variação padrão, como também a coloca em seu devido lugar: “A correção gramatical só é relevante quando vem por último: primeiro, é preciso falar muito, escutar muito, ler muito e escrever muito; depois, é preciso refletir sobre os modos e os sentidos dessa atividade linguística, e suas possibilidades de expressão”.

Na verdade, os meios de comunicação têm alimentado uma falsa polêmica já que o objeto da contenda é uma fantasia criada e alimentada pela desinformação: não existe "o livro que ensina português errado". Tal   quadro de animosidade se instaura geralmente quando a ideologia ultrapassa o bom senso, fazendo intelectuais se agarrarem apaixonadamente a posicionamentos, sem em tempo algum se debruçar sobre os elementos materiais que desencadearam a polêmica. A simples leitura do capítulo do livro em questão evitaria muita tinta desperdiçada e o rol de besteiras que vai migrando de jornal a jornal, de revista a revista, cada vez mais distanciadas do que está materializado no livro Por uma vida melhor.

terça-feira, maio 24, 2011

ENSINO SUPERIOR: ENTRE A DEMOCRATIZAÇÃO E A MASSIFICAÇÃO

                                                        Prof. Alan Oliveira Machado

A acelerada expansão do ensino superior encampada pelo MEC a partir da segunda metade da década de 1990 trouxe consigo questões que aqueceram o debate sobre o destino da educação superior no Brasil. Por um lado refletia a preocupação com a qualificação de mão de obra propícia à disputa de espaços na economia globalizada, por outro ancorava-se no discurso de democratização do acesso ao ensino superior. Em um país de enormes desigualdades, o caminho da educação mostrava-se (e ainda mostra-se) como via de acesso a patamares socioeconômicos e culturais imunes à exclusão. Essa duplicidade de características, comumente tratada por teóricos como antagonismo, na compreensão do papel da educação superior permitiu a massificação desse ensino ao contrário de sua plena democratização. Tanto as correntes que pensaram a ação da universidade pelo mero viés do desenvolvimento econômico quanto as que se posicionaram tendo em vista a inclusão social tenderam a não equacionar os efeitos negativos de tal empreendimento na formação de discentes e na produção de pesquisa. O resultado disso foi a descaracterização do sentido de democratização do ensino por um intenso processo de massificação.
Segundo Chaui1, e isso reflete um endurecimento ideológico vazado por equívocos, “a contradição entre o ideal democrático de igualdade e a realidade social da divisão da luta de classes obrigou a universidade a tomar posição diante do ideal socialista”. O raciocínio da autora é representativo do recuo ideológico dos segmentos mais voltados para a defesa da democratização do ensino universitário no contexto da expansão. Percebe-se que para Chauí, o fato de “o ideal democrático de igualdade” e a “realidade social” não se equivalerem é determinante para a universidade se posicionar pelo socialismo.
A se seguir o silogismo implícito ao raciocínio da filósofa uspiana constata-se que sua conclusão é forçada. Se o ideal democrático de igualdade não se confirma na realidade social, seria mais pertinente propor ações e intervenções que conduzissem a realidade social a um plano de sintonia com o ideal democrático de igualdade. Direcionar a solução para um impasse entre democracia e socialismo é também ignorar as condições reais de modificação do contexto de desigualdade e exclusão.
Do mesmo modo, a voracidade capitalista com a qual a iniciativa privada saltou sobre a educação superior pouco acrescentou na ascensão do nível de formação discente e da produção de pesquisa. Segundo Corbucci2, na impossibilidade de enfrentar a demanda por educação superior, o Poder Público abriu “a possibilidade de atendimento da demanda represada pela via privada, viabilizada mediante certa desregulamentação do setor, ocorrida em meados dos anos 1990, no que se refere à flexibilização de requisitos para a criação de cursos e instituições”. O resultado disso foi em pouco tempo o aumento das vagas privadas em 249%. Diante do volume de vagas, os problemas de infraestrutura e baixa qualificação docente aumentaram vertiginosamente, por um lado encarecendo o ensino superior privado e por outro promovendo a queda da qualidade. A adoção em 1996 do Exame Nacional de Cursos, conhecido no meio estudantil como Provão, mostra na sequência de dados que nas instituições privadas cresceu o índice de cursos com conceitos D e E. Na classificação do MEC, os conceitos D e E são atribuídos a cursos que não atendem aos critérios básicos exigidos para a formação de nível superior.
Quando se propõe a democratização do ensino superior é premente que se tenha um plano de adequação da infraestrutura, um plano de carreira docente voltado para a priorização do ensino de qualidade e para a produção de pesquisa, o que implica investimentos em qualificação de professores e financiamento de pesquisa, bem como assegurar a execução de políticas que propiciem a permanência dos estudantes nas universidades em iguais condições de participação e de interação no meio. Sem esses elementos básicos assegurados, a expansão do ensino não significará democratização, pois sem professores, pesquisa e ensino de qualidade a universidade deixa de cumprir o seu papel de centro de formação. Formação, de acordo com Chauí3, é:

introduzir alguém ao passado de sua cultura (no sentido antropológico do termo, isto é, como ordem simbólica ou de relação com o ausente), é despertar alguém para as questões que esse passado engendra para o presente, e é estimular a passagem do instituído para o instituinte.

Além disso, sem esses atributos, o ensino superior perde a capacidade de produzir conhecimentos e, sobretudo, a capacidade de convertê-los em tecnologia e desenvolvimento social. Sem esses suportes que caracterizam o ensino superior, a universidade, em vez de espaço de formação do cidadão crítico e participativo, em vez centro democratizador do acesso ao conhecimento e à produção de pesquisa, passa a locus irradiador da massificação de conteúdos, a campo precário de treinamento de técnicos incapazes de se sustentar e de contribuir com o desenvolvimento socioeconômico e cultural.
Na conjuntura atual, o ensino superior tem o grande desafio de construir instrumentos capazes de sustentar a sua identidade, gradativamente fragmentada e pulverizada pela expansão sem planejamento adequado. Os seguidos resultados negativos nos exames e índices que medem o desempenho da educação superior dão margem a todo tipo de inferência sobre boa parte das universidades brasileiras e, antes disso, confirmam que os suportes básicos: docentes, infraestrutura e assistência aos estudantes não têm recebido a atenção necessária para que seu desempenho convirja para a afirmação e consolidação da real identidade do Ensino Superior.

1CHAUÍ, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo, 2003.
2CORBUCCI, Paulo Roberto. Desafios da educação superior e desenvolvimento no Brasil. Disponível em: www.ipea.gov.br . Acesso em 12 de abril de 2011.
3Em artigo anteriormente citado.

domingo, maio 08, 2011

O MUNDO MAL PASSADO NO CALOR DOS MEGAPIXELS, GIGABYTES E TERABYTES



“Com a ‘velocidade instantânea’, as causas das coisas vieram novamente à tona da consciência, o que não ocorria com as coisas em sequência e em consequente concatenação. Em lugar de perguntar o que veio primeiro, o ovo ou a galinha, começou-se a desconfiar que a galinha foi ideia do ovo para a produção de mais ovos”. (Marshall Mcluhan, Os meios de comunicação como extensão do homem)

Vivemos mais do que nunca na era da comunicação e a velocidade com que enviamos e recebemos mensagens é assustadora. A rede mundial acessível por computadores e telefones móveis possibilita-nos manifestar as mais inesperadas e variadas opiniões uma vez que podemos estar inseridos num acontecimento e ao mesmo tempo digitando em nosso smartphone nossas impressões, a todo momento espalhando-as via Twitter, Facebook, Orkut e demais redes sociais ou campos de interação na internet. O gerenciamento da informação e da comunicação torna-se assim o campo que exige maior atenção e cuidado.
A maioria das pessoas ainda não sabe muito bem como gerenciar comunicação e informação em tempo real. Há nisso alguns problemas. O primeiro está, em outras palavras, no que o pensador canadense Mcluhan denuncia na epígrafe acima: com a velocidade e a concomitância, nós que fomos treinados anos a fio dentro de um modus operandi que alinha os acontecimentos em sequência e num encadeamento previamente esterilizado para evitar ruídos ideológicos indesejáveis, nos vemos perdidos no universo de abundância informacional acessível a todos os sentidos, de igual descartabilidade, que a alta tecnologia passou a permitir em todos os campos, sobretudo no das comunicações.
Quem acompanhou a recente cobertura da operação da marinha americana que culminou na morte do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, assistida em tempo real pela cúpula da Casa Branca, como se fosse um filme de guerra daqueles protagonizados por Sylvester Stallone, pôde notar quantas vezes as informações foram ditas e desditas em um mesmo dia. Ocorre que a vida real, o acontecer não segue necessariamente nosso treinamento mental para ajustar o que se materializa diante de nossos sentidos em uma sequência linear e lógica. Testemunhar algo no momento em que está acontecendo e de imediato transformar a movimentação da realidade em informação geral, apropriada ao consumo de todas as pessoas do planeta, quando estas ou testemunharam em tempo real, por meio de seus equipamentos de mídia, o mesmo evento ou o resgataram em algum vídeo do You Tube não é algo simples. O dizer e desdizer praticado pelo governo americano, com respeito à morte de Bin Laden, é exemplo de tal complexidade. Como ajustar as informações sobre o acontecimento a uma linha de pensamento favorável aos interesses de Washington perante a comunidade mundial e local?
Mais uma vez relendo Marshall Mcluhan, o mesmo que em 1964 anteviu que a evolução tecnológica iria transformar o mundo em uma aldeia global, poderíamos dizer que a rede mundial de informação e comunicação chamada de internet é um espaço de alta temperatura. Mcluhan dizia ser um meio quente aquele com excesso de informação, saturado. A internet encarna perfeitamente esse raciocínio, pois atinge temperaturas tão altas diariamente que de acontecimentos explosivos alçados ao seu forno pela manhã às vezes só restam cinzas no final da tarde.  Basta aparecer um assunto polêmico ou inusitado, todo mundo quer lançar uma achazinha na fogueira. E o volume de impressões e imprecisões faz crescer ao redor do assunto uma miríade de imagens, montagens audiovisuais, mitos e teorias, algumas totalmente absurdas que persistem e se fixam como se fossem verdades absolutas.
Outro problema é que cada vez mais as pessoas de posse das tecnologias e expostas a elas enrolam-se com a publicação de informações mal expressas que acabam causando na rede uma reação contrária à esperada. Muitas vezes as intervenções individuais são traídas por memórias de ideologias nefastas e o resultado é a proliferação em rede do linchamento simbólico de tal indivíduo, invariavelmente sem o letramento necessário para filtrar informações e policiar seus modos de expressão. Há abundância de exemplos a esse respeito. O caso mais recente foi o do vereador de Anápolis que solicitou ao presidente da câmara um minuto de silêncio em respeito à morte do, como ele disse, “companheiro Bin Laden”. As imagens do vereador em ação espalharam-se pelo mundo negativamente, mas não menos feio fez o presidente da câmara que autorizou o pedido: ao ser questionado sobre o ocorrido, afirmou que cometeu um ato falho. Não precisa ser freudiano para saber que um ato falho é a manifestação de um desejo reprimido. O presidente quis dizer então que, no seu íntimo, desejava também homenagear Bin Laden?
O gerenciamento de informações e comunicação torna-se desse modo algo que não pode ser negligenciado. Em um mundo monitorado incessantemente por câmeras de celulares, gravadores minúsculos embutidos nos mais variados objetos de uso cotidiano, adequar o que se diz e faz à pluralidade de auditórios é um desafio. O dizer e desdizer, reformular e readequar, ensaiar, ensaiar, ensaiar, deixa de ser algo restrito ao exercício solitário de escritores, jornalistas e atores para constituir uma exigência a qualquer pessoa que queira destacar-se e influenciar no movimento do desejo humano, o que pelo visto é anseio geral.
Há, desse modo, que se retomar a preocupação com a Retórica não apenas no que tange ao seu aspecto epidíctico, mas no seu aspecto argumentativo e persuasivo. O novo momento permeado e, de certa forma, dirigido pelo avanço e massificação dos aparatos tecnológicos de comunicação presume essa necessidade. A educação formal, é evidente, ainda não está preparada para essa tarefa. Como explicava há bastante tempo Marshall Mcluhan, a quem homenageamos com este texto, em seu livro Revolução na Comunicação: "Em nossas cidades, a maior parte da aprendizagem ocorre fora da sala de aula. A quantidade de informações transmitidas pela imprensa excede, de longe, a quantidade de informações transmitidas pela instrução e textos escolares".
        Devemos começar nossa tarefa de integração total aos novos tempos levando o que está fora da sala de aula para seu interior, como forma de exercitar o pensamento crítico e de elaborar instrumentos sólidos que permitam ao futuro cidadão interagir no mundo de modo mais independente e construtivo. É pertinente que nos dias atuais as crianças e jovens saiam da escola sabendo como administrar informações, ou seja, como materializá-las de modo a atender aos propósitos oriundos do universo de seus desejos e como filtrá-las quando vinda de outros universos. Adquirir domínio sobre o gerenciamento de informações redunda em domínio de comunicação.  A fornalha da rede mundial que consome boas reputações e funde falsos ídolos também pode ser hegemonicamente aquela que assa os melhores pães para saciar o desejo da humanidade.    
 Prof. Alan Oliveira Machado, maio 2011.