sábado, dezembro 15, 2007

OS POLÍTICOS, A CPMF E O POVO

A briga entre governo e oposição, que resultou na rejeição da CPMF no Senado, se bem entendida, não passou de teatro de ambas as alas, com o fim de demarcar território e gerar assunto para o iminente ano eleitoral. Esse entendimento se baseia em alguns dados óbvios omitidos pelos participantes do debate em determinadas circunstâncias e pelo rearranjamento que estão fazendo após a queda do imposto.

Para compreender o jogo que se estabeleceu dentro do Senado entre os governistas e os oposicionistas, devemos levar em conta, primeiro o cenário. É certo que a oposição já tinha em mãos o resultado da última pesquisa que avaliava a credibilidade de Lula. A pesquisa demonstrava uma subida na avaliação do presidente, entre bom e ótimo. Juntando-se isso ao cenário mundial favorável ao crescimento continuado da economia, a oposição, liderada pelo PSDB e DEM, se viu forçada a um ataque feroz e à defesa intransigente da queda do tal imposto, aliás, “impostaço” que transfere para os cofres do governo cerca de 40 bilhões por ano. Caso não derrubassem a CPMF, os setores oposicionistas se veriam pulverizados pela conjuntura cada vez mais favorável ao governo. A briga, por parte dos Tucanos e Demos, era uma oportunidade de por os políticos da situação na berlinda e mostrá-los ao povo nas suas contradições, como fez o senador Heráclito Fortes, dos Demos, ao ler um discurso de 1996, do senador Paulo Paim do PT, atual defensor da CPMF, pedindo o fim do “perverso imposto”.

Em princípio, não haveria motivos para PSDB e DEM lutarem contra a CPMF. Aliás, seria uma contradição, já que esses setores se beneficiaram desse imposto durante os dois mandatos de FHC, o que por si só já anularia quase todos os argumentos utilizados contra essa contribuição financeira. O primeiro argumento é o de que onera o povo, depois o de que era para a saúde e estava sendo desviado para outras finalidades. Vejam bem, se onera o povo, onerou durante os dois mandatos de FHC, se era para a saúde, imaginem 40 bilhões mensais aplicados em saúde nos oito anos de governo FHC, daria para cada rua do país ter um mini-hospital, com médicos e tudo. No entanto, os tucanos entregaram o país, no final dos dois mandatos, a um passo do naufrágio social e econômico.

Os argumentos da bancada governista não foram menos dignos de descrédito. Primeiro defendiam que os programas sociais bancados pela CPMF iriam entrar em falência, depois diziam que para o país não entrar em crise profunda teriam que aumentar outros impostos. Aqui, o que entrega a encenação é que, na beira da votação, o governo enviou uma carta ao congresso se dispondo a aplicar toda a CPMF, se aprovada, em saúde. Ora, e os programas sociais, como ficariam? Ficariam como estão, pois já dá para perceber que os programas sociais não dependem dessa contribuição financeira. O arrocho financeiro de que se queixava a situação também é um blefe retórico, que muito bem poderá ser usado no ano eleitoral para demonizar ainda mais a demoníaca oposição. Com o fim do teatral duelo entre o governo e seus opositores, cada grupo pegou seu quinhão de informações a respeito do adversário para usar nas eleições do próximo ano e, em seguida, partiu para pensar a reaprovação da CPMF ou algo que o valha. É o que a matéria da Folha online, anuncia hoje, 14-12-2007: “O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Netto (AM), sugere que a CPMF seja recriada com um novo formato. Já a líder do PT na Casa, Ideli Salvatti (SC), reconheceu que a medida pode ser analisada na discussão da reforma tributária”.

No fim de tudo, dá para perceber que o interesse pelo povo não era o foco dos políticos, o interesse não era também reduzir os escorchantes impostos que mantêm na penúria os trabalhadores e propagam a miséria. Em nenhum momento se discutiu no senado por que ralo escorre tanto dinheiro de impostos no Brasil. Em nenhum momento se discutiu a importância de combater a corrupção, como forma de reduzir impostos ou em aprimorar a legislação para tal fim. Mas esperem o ano que vem para assistir à reprise desse duelo, dessa vez nos palanques eleitorais de ambos os seguimentos.

HÁ BRAÇOS! alan oliveira machado, em14-12-2007, alinguaviva@yahoo.com.br

terça-feira, dezembro 11, 2007

A EXTINÇÃO DOS ESQUERDOSSAUROS

Alan Oliveira Machado

“A pobreza da experiência não é expressão de uma carência, mas antes a expressão de uma arrogância, a arrogância de não se querer ver e muito menos valorizar a experiência que nos cerca, apenas porque está fora da razão com que a podemos identificar e valorizar.” (Boaventura Sousa Santos, 2006)


Não se trata necessariamente de voltar à esquerda. Voltar à esquerda, simplesmente, pode nos levar a entender que os métodos da esquerda sempre foram os melhores e sempre serão e que o retorno seria uma espécie de exorcismo para expulsar demônios capitalistas do corpo, o que não é verdadeiro. É preciso que se retorne à origem, não para ser autêntico ou puro, não para reproduzir a monocultura do saber, mas para se reposicionar na atualidade, de forma crítica e coerente, dentro de um campo de pensamento e prática de esquerda que se constrói cotidianamente na leitura e releitura das práticas e demandas que a contemporaneidade produz, sem necessitar de repetir fórmulas e práticas que já não se ajustam à realidade das lutas.

Sabemos que não é nada fácil se localizar dentro da esquerda sem cair numa lógica que está na base de todo o pensamento ocidental moderno, qual seja a mania de linearizar o tempo e a história e dicotomizar as relações. Esse vício mental funciona como uma rede que só captura o que é compatível com sua trama. É como se fôssemos pescadores que utilizassem uma rede de buracos muito grandes de forma que só conseguíssemos pescar tubarões, levando-nos a crer que no mar só existem tubarões, apagando, portanto, toda a diversidade. Assim funciona essa maneira de entender a realidade, como diria o sociólogo português Boaventura Sousa Santos, a reboque de uma razão metonímica, ou seja, que reduz o todo à parte, que reduz a realidade tão somente ao que conseguimos prender em nossa razão.

Em sua complexidade, historicamente, esquerda e direita são campos de interesses não muito bem demarcados, porque, erroneamente, demarcamos esses espaços por meio de estereótipos (há algo mais superficial?). No dia a dia, pessoas que se situam na esquerda desenvolvem novas práticas revolucionárias, fora da lógica linear e maniqueísta da esquerda e isso irrita e gera ódio, sobretudo nos esquerdossauros, naqueles que seguem apenas os estereótipos (aqui, esquerdossauro não é uma questão de idade, mas de mentalidade). Ou o militante se enquadra no perfil imaginário estereotipado, ou é rechaçado. Como se a vida e a realidade social tivessem dois lados fixos, um lá e outro cá e as pessoas se não estão cá inquestionavelmente estão lá. Nos anos sessenta muitos esquerdistas criativos foram tachados de reacionários e pelegos, em nome dessa compreensão redutora e equivocada, no que diz respeito ao que deveria ser o comportamento do esquerdista.

O que esses esquerdossauros não entendem é que o que se faz e se diz tem contexto e é preciso entender esse contexto antes de mobilizar a rede redutora, se é que precisamos de rede redutora. Como entender o movimento da realidade se recusando a enfrentá-la no seu movimento complexo? Os critérios superficiais para se decidir se alguém ou algum movimento é de esquerda ou direita são ridículos, não se sustentam na dinâmica da realidade, levando os esquerdossauros, feito alguns evangélicos, a se fecharem em um mundinho esquizofrênico e paupérrimo em quase todos os sentidos. Enfim, para combater a falsa esquerda, meus camaradas, não é preciso virar um fóssil vagando cegamente na tempestade cotidiana ou um membro de grupelho encolhido sob o guarda-chuva da mediocridade. HÁ BRAÇOS! (5-10-07)